Isolamento social revela equívocos e atrasos do ensino à distância no Brasil
A quarentena imposta para evitar a propagação do Covid-19 mudou todos os segmentos de negócios que agora precisam se reinventar e se reposicionar tornando essencial o uso dos recursos digitais. No comércio, redes varejistas estão trabalhando com portais e apps para assegurar descontos e fretes gratuitos nas entregas. Os restaurantes reforçaram o sistema de delivery, ampliando o número de canais de pedidos, via web, WhatsApp e até com mais números de linhas telefônicas.
Não muito diferente, o setor educacional também teve que se posicionar. Mas ao fazer isso descortinou uma série de atrasos naquilo que um olhar distraído parecia ser um grande sinal de modernidade. O tradicionalismo retrógrado aplicado no segmento da educação, que afasta o EaD como se fosse uma praga, agora se vê obrigado a recorrer a esta modalidade para reduzir a perda de conteúdo dos alunos em tempos de confinamento. Mas, o movimento esbarra em alguns problemas de ordem estrutural.
Agora, algo que deveria ser natural por conta das tecnologias disponíveis para o EaD, está se mostrando um verdadeiro desafio diante da falta de uma real visão de como fazer o uso de tecnologia e de metodologias diferentes no ensino. A miopia ronda desde os órgãos reguladores que, por força de manutenção de um modelo centrado no professor, limitam a porcentagens muito pequenas o ensino à distância tanto nos currículos da educação básica quanto da educação superior, até os mantenedores e gestores das unidades de negócios do segmento, as escolas.
O grande problema é que a proposta reguladora existente que abomina o EaD dentro dos Conselhos Estaduais de Educação, nas Diretorias de Ensino e até em órgãos vinculados ao MEC faz com que as escolas não tenham estímulo a se modernizarem e buscarem metodologias de ensino aprendizagem que utilizem recursos tecnológicos enfronhados em diversos outros segmentos.
Como consequência, neste momento da história do homem, a educação, em todos os níveis, ainda está na pré-história. Assim, os grupos educacionais de educação básica preferem dar um período de férias extras aos alunos, que recém iniciaram o semestre para decidir como vão ofertar conteúdos para os alunos em suas casas.
A educação básica, infantil e fundamental, são as mais críticas, na visão destes gestores, pois eles correram por anos da implantação de atividades lúdicas com recursos tecnológicos. Na verdade, era mais econômico contratar estagiários de pedagogia para cuidar das crianças sem a preocupação real de as pré-alfabetizar, inclusive tecnologicamente. Quem nunca ouviu a máxima de que as crianças nascem sabendo usar tablets, iphones, computadores? A falta de uso de recursos tecnológicos não está na dificuldade da geração alpha em se adaptar às tecnologias; e sim nas dificuldades dos mantenedores de se atualizarem à realidade e dos docentes contratados de buscarem diferentes estratégias lúdicas e motivadoras.
No caso dos sistemas de ensino, que vendem, ou melhor, alugam seus conteúdos para as escolas se diferenciarem das concorrentes, associando suas marcas às das grifes destes sistemas de ensino, percebe-se que não se prepararam para contribuir no desenho de trilhas formativas destas escolas e só oferecem os mesmos conteúdos das apostilas em plataformas digitais (chamados de ambientes virtuais de aprendizagem).
Desta forma, as escolas não conseguem se diferenciar, pois todas são obrigadas a aplicar o mesmo conteúdo, da mesma forma postada no ambiente virtual de aprendizagem. Portanto, não haveria motivo de diferença de mensalidades. Ao disponibilizarem os conteúdos de uma só vez, as aulas à distância demonstrariam que as propostas pedagógicas diferenciadas são frágeis e desfariam a ilusão dos pais.
Quando se trata da educação superior, onde o EAD é mais trivial, pois a oferta de quase todos os cursos presenciais pode ter 40% de sua carga horária na modalidade online, percebe-se que as Instituições de Ensino Superior (IESs) não fizeram a lição de casa correta na migração para esta modalidade. Na realidade a grande maioria das IESs replica na carga horária EAD a sua forma de ensino presencial.
Neste sentido, o aluno tem que fazer uma atividade ou uma lista de exercícios, sem uso de qualquer recurso tecnológico mais rico e diferenciado. Se não fosse assim, hoje os milhares de docentes do ensino superior não estariam construindo aulas com Power Points, com vídeos caseiros produzidos sem qualquer metodologia ou até tendo que usar salas de reuniões gratuitas virtuais como o Google Meeting ou Hangout para lecionar por 2 a 3 horas falando para os seus alunos como se todos estivessem na mesma sala de aula física.
O modelo está centrado no docente, onde ele tem o saber supremo e as suas palavras trarão a solução de todos os problemas da vida profissional. A forma tradicional repetida em outro ambiente faz com que os alunos queiram cada vez menos continuar a estudar. O que se vê é uma mistura dos modelos dos centenários Instituto Monitor ou Aladim sendo aplicados via web.
Se o MEC precisou publicar duas portarias em menos de 48 horas para regular a liberdade de oferta na modalidade EAD pelas IESs neste período de decisões rápidas e eficientes, imagine como está enferrujado o setor educacional.
Essa ineficiência constituída e cheia de raízes certamente cobrará um preço alto, mas a atenção que o assunto ganhará com este período de isolamento poderá ter um efeito colateral positivo para iniciarmos o quanto antes a recuperação do tempo perdido.