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Guia para Gestores de Escolas

O dano irreparável de terceirizar a relação com as famílias

Por Danilo Costa

Não há dúvida que nenhuma empresa terceirizada conhece melhor as famílias do que o próprio mantenedor e o time de gestão da escola. A relação com as famílias é uma das atividades-fim das escolas. De fato, não há uma metodologia única ou fórmula mágica para as instituições engajarem as famílias em prol do desenvolvimento pedagógico dos estudantes. Entretanto, terceirizar essa relação com certeza não é um caminho que deve ser cogitado.

A experiência que tive como mantenedor de uma rede de escolas no estado de São Paulo me fez enxergar que o setor é completamente diferente dos demais setores da economia. A relação quase inexistente e estritamente impessoal que temos com os serviços de telefonia, TV a cabo, internet – apenas para ficarmos em alguns exemplos, indicam que não há similaridades com as relações diárias, afetivas e completamente pessoais que as famílias e estudantes constroem com os mantenedores, professores e demais colaboradores das escolas.

Ou seja, é um equívoco vislumbrar a possibilidade de “encaixotar” na educação básica o serviço de telemarketing robotizado, impessoal (e muitas vezes abusivo) existente em outros setores. Isso está completamente fora de propósito.

Quando uma família deixa o seu filho nas dependências da escola sob a responsabilidade do mantenedor, ela está deixando o maior bem da sua vida e demonstrando a sua confiança na instituição. Ao procurar a escola para resolver alguma questão, ela quer resolver com o responsável pela escola e seria uma quebra de confiança muito grande o mantenedor não ter autonomia para sanar o problema e indicar que “para resolver isso, ligue para tal número”.

É até compreensível que o desespero e a ânsia para resolver os problemas financeiros da escola nos faça refletir sobre qualquer possibilidade. Mas já adianto que a resolução de um problema não se faz com a criação de outros. A solução do sufoco financeiro não é terceirizar a relação com as famílias e nem a cobrança das mensalidades, afinal este é o maior ativo de uma instituição de ensino: conhecer tão bem toda a comunidade escolar e construir relações sólidas.

Já disse e repito: a resolução de um problema não se faz com a criação de outros problemas.

Não é de hoje que ouvimos falar da indústria do golpe amparado por call centers clandestinos. De acordo com a Truecaller Insights, companhia sueca especializada em monitoramento e identificação de chamadas indesejadas (spam), houve um aumento de 58,9% do telemarketing abusivo no Brasil, passando de 20,7 chamadas por mês para 32,9. Ou seja, em média, os brasileiros recebem mais de uma chamada de call centers por dia.

Além disso, o dado que chama mais atenção é o crescimento de golpes. Em 2017, apenas 1% do volume total de chamadas indesejadas no Brasil eram ligações fraudulentas. Em 2021, esse número saltou para 16,9% do total.

Isso só reforça o tamanho do perigo ao terceirizar um serviço que, no caso das escolas, é o coração do negócio, é vital para a sua sustentabilidade.

Pode parecer alarmismo, mas podemos descer uma camada para exemplificar – e sem entrar no quesito fraude, que segundo a Febraban – Federação Brasileira de Bancos, cresceu 165% em 2021.

Todos temos acompanhado a questão jurídica envolvendo a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Desde agosto de 2021, empresas e colégios de todo o Brasil estão sujeitos à legislação e podem sofrer punições, que incluem advertências, bloqueios e multas de até R$ 50 milhões. Imaginem que os dados pessoais das famílias e dos estudantes estejam expostos dentro de uma infraestrutura de um call center que envolve centenas de pessoas e sistemas terceirizados circulando essas informações. Será que a sua escola está preparada para as sanções que citei anteriormente? Será que a empresa terceirizada vai assumir a responsabilidade sobre o vazamento de qualquer dado e arcar com as punições previstas em lei?

Correr esse risco é desnecessário. Há soluções capazes de garantir inadimplência zero para as escolas sem que haja contato com as famílias. Não há motivos para pânico.

De acordo com os autores do livro Escassez – Uma Nova Forma de Pensar a Falta de Recursos na Vida das Pessoas e nas Organizações, uma cabeça cheia de problemas financeiros resulta em performance prejudicada. Ou seja, a falta de dinheiro prejudica a nossa inteligência, sobrecarregando a nossa cabeça e nos levando a tomar decisões ruins.

Não deixem que a sobrecarga os leve em direção ao perigo irreparável de terceirizar a relação com as famílias.

Danilo Costa É ex-mantenedor escolar, advogado formado pela FGV-SP e fundador do Educbank, o principal ecossistema financeiro dedicado à educação básica.

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