O que realmente há de inovador nas escolas “super premium”
Quais habilidades serão fundamentais para formar cidadãos prontos para encarar os desafios da sua comunidade, mas sem perder de vista o contexto global? Como preparar nossas crianças para viver em um mundo tão complexo e para trabalhar em profissões que possam ainda nem existir?
Com a proposta de tentar suprir essas demandas cada vez mais latentes, e que mexem com a ansiedade de pais e alunos, surgem no cenário brasileiro as chamadas “escolas do futuro”.
Inspiradas em metodologias aplicadas em instituições de ensino de países com altíssimo nível educacional, elas desembarcam no Brasil com a proposta de formar alunos com múltiplas experiências, capazes de empreender e transitar com segurança por competências técnicas e emocionais.
Para isso, oferecem um ensino baseado na metodologia de projetos como alicerce para conectar conteúdos aos interesses dos alunos, que têm autonomia para escolher a quais assuntos se dedicar e em qual momento. Aprendizado de idiomas desde o início da trajetória escolar, ênfase nas características interculturais, fluência digital, avaliações que vão muito além das tradicionais provas e formação contínua de professores também estão dentre os pilares desse segmento.
Nem mesmo as altas mensalidades, que podem chegar a R$8 mil, são empecilhos para a expansão das “escolas do futuro”, que escolhem as capitais e os grandes centros para sediarem suas unidades. Na Avenues, por exemplo, 4 mil pais participaram dos eventos informativos sobre a escola que, nesta primeira fase, abrirá 600 vagas. A escola deu início às suas atividades no país em agosto de 2018 e tem capacidade para receber 2,1 mil alunos.
Mas afinal, o que realmente há de inovador neste segmento de escolas ‘super premium’? O que podemos aprender com o modelo de gestão e com a prática pedagógica das “escolas do futuro”?
Ambientes que estimulam
Uma rápida visita aos ambientes da Escola Concept, situada nos municípios de Ribeirão Preto (SP), Salvador (BA) e São Paulo, revela os primeiros sinais de sua estratégia diferenciada para conduzir os estudantes pelos caminhos do aprendizado.
Nas salas de aula, as paredes são móveis e alteradas conforme o projeto a ser desenvolvido. As mesas não ficam enfileiradas. Visando promover um maior diálogo entre os estudantes, as carteiras são dispostas em círculos e muitas delas, assim com algumas paredes, podem ser usadas para escrever, pois são feitas de um material apropriado para isso. Nos laboratórios de robótica, o maquinário está à disposição para a criação de protótipos e soluções para problemas identificados em diferentes campos de estudo.
Toda essa preocupação se justifica na crença que a escola tem de que uma arquitetura responsiva influencia diretamente na construção e na formação dos alunos. Desta forma, do playground ao tanque de areia, da biblioteca ao auditório ou do teatro de arena aos diversos pátios e obras interativas – todos os espaços têm um caráter pedagógico e são pensados para possibilitarem interação entre os estudantes e o ambiente.
Metodologia híbrida
A Concept coloca como eixos transversais o empreendedorismo, a sustentabilidade, a programação e a colaboração, sempre mediados pelo uso contumaz da tecnologia. Quando falamos de método, o uso do aprendizado baseado em projetos pede que o conceito de “aluno aprendiz X professor mestre” fique para trás, exigindo uma mudança no perfil dos docentes, que passam a exercer um papel muito mais semelhante ao de um tutor.
Muito embora exista uma matriz de conteúdos, cada aluno tem autonomia para escolher como deseja cumpri-la, e é o professor-tutor que o ajuda nessa tarefa.
A cada três meses, os alunos mais novos escolhem os temas a serem trabalhados, a partir de uma relação proposta pela escola, enquanto os estudantes mais velhos trazem suas próprias sugestões. Depois de escolhidos, os professores correlacionam os assuntos e apontam o currículo que aquele aluno deve cumprir. Posteriormente, eles são enviados aos estudantes que, tendo acesso aos conteúdos de forma prévia, podem iniciar as pesquisas, ampliando seu conhecimento sobre o tema e ficando a cargo do professor, aprofundar o debate na sala de aula.
Seguindo a premissa da neurociência – que aponta que aprendemos melhor aquilo que tem um significado para nós – o grande objetivo desse método é que os alunos se identifiquem com o assunto, que é apresentado de forma intuitiva e não linear, por meio de jogos e desafios.
Na Concept, as inovações estão presentes também na forma de avaliar os alunos. A semana de provas, por exemplo, foi abolida e substituída pelo método do “feedback contínuo”, que engloba aspectos comportamentais e cognitivos, analisando o desempenho dos estudantes diariamente.
Alunos globais
A Avenues ainda nem chegou ao Brasil, mas também escreve uma trajetória singular. Vinda de Nova York (EUA), a instituição segue o calendário letivo americano e promete oferecer uma experiência inovadora e global do jardim de infância até o ensino médio.
Assim como na Concept, a apresentação do inglês acontece desde o início da trajetória escolar, e é integrada aos demais conteúdos do currículo, como nas aulas de ciências e matemática. Os alunos ficam de 8 a 10 horas na escola e além das disciplinas clássicas, precisam escolher matérias optativas, como robótica e introdução a finanças, para completar sua formação.
Um dos diferenciais na proposta da Avenue é permitir que os estudantes de cada uma das suas unidades se conectem a outros da sua rede mundial de escolas. Embora somente os campi de Nova York e de São Paulo (que receberá alunos a partir de agosto) estejam em funcionamento, a instituição planeja abrir unidades em Shangai e Shenzhen (China), em Londres (Inglaterra), no Vale do Silício e Miami (EUA) e em Doha (Catar). A meta, em 10 anos, é ter 25 escolas Avenues em metrópoles e grandes cidades ao redor do mundo.
Competências específicas
O estímulo ao desenvolvimento de competências específicas, como tocar um instrumento musical, tornar-se escritor ou maratonista, por exemplo, também está presente na proposta pedagógica da Avenues, que conta em sua metodologia com uma disciplina chamada “habilidades para a vida cotidiana” que trabalha, por exemplo, com a gestão do tempo e com competências tecnológicas.
“A habilidade de fazer conexões entre e por meio das artes e ciências, humanidades e tecnologias é a chave da imaginação e da inovação. Os estudantes são formados para a autonomia de pensar, fazer conjecturas, errar, elaborar perguntas, criar e buscar respostas possíveis. Aprender é também reaprender, refletir sobre o que se sabe. Essa forma de ensinar já traz excelentes resultados na Avenues New York, e é referência metodológica para São Paulo”, apontou a escola.
Todo conteúdo disciplinar oferecido aos alunos da Avenue passará constantemente por um programa de avaliação, que permitirá que professores e coordenadores analisem o progresso dos estudantes, fazendo ajustes no currículo, se necessário, não apenas nos finais de ciclo, mas ao longo de todo ano letivo.
Desafios
Embora seja compreendido como tendência mundial, o modelo disruptivo presente nas “escola do futuro” também abriga desafios. Um dos principais deles está em conseguir encontrar profissionais da área que tenham intrínsecas competências como flexibilidade e colaboração e que se encaixassem no perfil de “facilitadores” do saber – uma das prerrogativas desse modelo pedagógico.
A Avenues, por exemplo, precisou analisar uma batelada de 6 mil currículos para conseguir montar seu time. Ainda assim, os educadores contratados passaram por treinamentos complementares, muitos deles focados em ampliar o ‘mindset’, com objetivo de que eles se sintam seguros em experimentar o novo. “A proposta se mostrou tão atraente e inovadora, que trouxe alguns dos melhores profissionais de ensino do Brasil e do mundo, encantados com a metodologia e interessados em fazer parte de um projeto totalmente novo”, afirmou a escola.
Eficiência
E essa busca pela eficiência em todos os aspectos da gestão é que deve ser a responsável por levar esse modelo a cumprir com a promessa de formar cidadãos preparados para o mundo. Por isso, as “escolas do futuro” se empenham em análises apuradas dos seus processos, no investimento constante na formação continuada dos profissionais que nelas atuam, na redução da estrutura familiar e pessoal na gestão, na profissionalização das relações com os colaboradores, no uso de métricas e indicadores de resultados, no sério controle financeiro, em sistemas de gestão e no desenvolvimento de lideranças capazes de atrair e manter talentos.
Na Avenues, por exemplo, todos professores devem atender a metas, que são monitoradas de perto pela gestão. Já na Concept, a capacitação contínua dos professores foi inspirada no exemplo de Singapura, e exige que os docentes dediquem 1/4 do seu tempo (cerca de 10 horas semanais) para investir, exclusivamente, em formação e planejamento.
“Elas procuram formas de se tornarem eficientes e competitivas do ponto de vista de mensalidades, ajustando-se ao cenário recessivo da economia por um lado, e mais profissionalizado e concentrado por outro, com a entrada de grupos de padrão internacional e com forte aporte de capital”, detalhou Lais Bisordi, da Ponto de Referência, consultoria de educação nas áreas de cultura, gestão de atendimento e inovação.
A dimensão “empresarial” que dão à sua atuação passa, inclusive, pelo currículo dos alunos, que são estimulados a empreender e a se prepararem para um mercado de trabalho em transformação.
“As escolas do futuro entendem e ajustam o ensino ao novo perfil de aluno, de sociedade, de mercado de trabalho para o qual eles deverão ser formados: um mundo em constante transformação, com mudanças velozes impulsionadas pela tecnologia, que torna inovações obsoletas em pouco tempo e onde a maior parte das profissões para as quais estes jovens deverão ser formados ainda nem foram criadas”, destacou.
Dimensão humana
Porém, essa perspectiva mais “empresarial” na gestão e na condução dos processos não anula a necessidade desse segmento de trabalhar com as competências sociais e emocionais dos alunos. Afinal, elas são tidas como os grandes diferenciais a serem evidenciados nos alunos frente aos desafios do futuro.
Assim, ao levarem para a sala de aula temas com dimensões mais complexas, como sustentabilidade e tolerância entre culturas e diversidade, por exemplo, essas escolas estão trabalhando na ampliação a na formação para além das competências técnicas, abrangendo uma dimensão mais humana, que prioriza o ser.
“O projeto pedagógico enfatiza que o sucesso para um aluno não se resume a ingressar em uma boa faculdade, mas sim em se tornar um bom cidadão, ser solidário e ter um caráter de respeito”, apontou Maurício Berbel, sócio-consultor da Alabama Consultoria Educacional e diretor administrativo do Colégio Novo Rumo.
Neste modelo de atuação, o aluno é incentivado a desenvolver seu próprio perfil de sucesso – de natureza singular – quebrando o paradigma de que somente é possível ser bem-sucedido mediante um padrão pré-estabelecido de qualidade, medido pelo seu desempenho em provas ou vestibulares, por exemplo.
Foco na experiência
Para as escolas que desejam absorver características deste novo segmento de ensino e avançar no trajeto da inovação, o caminho defendido por Lais é a fuga dos padrões tradicionais e a oferta de uma experiência única e personalizada aos estudantes.
“Dos aspectos que caracterizam a escola do futuro, o foco em gestão e o foco na experiência do aluno são perfeitamente aplicáveis a todas as escolas, independente da proposta pedagógica”, definiu Lais.
Envolver os pais e aproximá-los do cotidiano escolar também é outra estratégia valiosa apontada pelos especialistas para a permanência no mercado – já que, para muitos pais, o relacionamento próximo e o cuidado pessoal com seus filhos podem pesar até mais do que a proposta pedagógica, no momento de decidir pela escolas.
Mudar sem perder o DNA
Para Berbel, desenvolver uma visão disruptiva que estimule o desenvolvimento, a modernização e a reinvenção, mas sem se perder a essência, é o grande desafio a ser vencido pelas escolas tradicionais frente aos novos modelos aplicados nas “escolas do futuro”.
Na opinião do consultor, os negócios já estabelecidos têm muita dificuldade para construir novos modelos, pois isso implica em abandonar aquilo que sempre funcionou e de onde, até o momento, provém seu sucesso e sustento.
No entanto, ele alerta que, essa ameaça pode ser neutralizada se os gestores de colégios tradicionais focarem seu DNA para desenvolver o potencial humano de cada aluno, contribuindo com a trajetória de vida e com a sua realização pessoal.
“As escolas têm que construir o futuro e não ficar se alimentando do passado, precisam protagonizar as mudanças, se reinventar e não atuar em um modelo ultrapassado. Elas já têm os alunos, só precisam trabalhar para estarem sempre um passo à frente”.
E na sua instituição, quais destas características das “escolas do futuro” já estão presentes? E quais os desafios a serem vencidos no caminho disruptivo da inovação?