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Guia para Gestores de Escolas

Os desafios da educação: Dislexia, TDAH e os impactos no aprendizado

Matéria publicada na edição 106 | Março de 2015- ver na edição online

O âmbito educacional, pautado por referências técnicas e pedagógicas, evidencia uma atenção especial à distúrbios e transtornos que podem surgir sutilmente nas salas de aula. Observar certos direcionamentos é uma forma de minimizar possíveis dificuldades, estabelecendo uma prática de ensino enraizada em atributos igualitários

Por Rafael Pinheiro / Fotos Divulgação

Autoconhecimento, relato empírico, perspectiva positiva, evolução progressiva, habilidades significativas. A instituição escolar, criada através de símbolos marcantes, aliada a um conjunto fortemente construído através dos anos, denota uma característica exemplar: a formação do cidadão.

Observando os mecanismos que compõem as amplas tarefas defendidas pelas escolas, o mergulho interno no autoconhecimento ultrapassa teorias, filosofias e técnicas pré-estabelecidas, instaurando seu olhar na essência peculiar de cada formando, que preenche as salas de aula diariamente e permanece durante longos períodos.

Atualmente, a escola percebeu que não pode mais se restringir única e exclusivamente à transmissão dos conteúdos dos Parâmetros Curriculares Nacionais. O aluno anseia uma formação global, integrada, atualizada, que compreenda todos os aspectos que constituem o indivíduo, tanto pela manutenção e transmissão de valores indispensáveis para o convívio em sociedade, conscientização e valorização do ser humano.

Estas questões que, em um primeiro momento parecem simples, desdobram problematizações complexas e convidam gestores, educadores, profissionais especializados, pais e alunos a discutirem caminhos e soluções para um patamar equiparado, compreendendo a diversidade e, principalmente, o respeito. “A escola é o espaço onde as diferenças precisam ser vividas, enfrentadas e desmistificadas”, diz Luciana Barros de Almeida, psicopedagoga e Presidente Nacional da ABPp (Associação Brasileira de Psicopedagogia).

Acreditar em uma educação pautada por conceitos igualitários, uma aprendizagem para todos – sem exceção, respeitando o ritmo e tempo singular de cada aluno é uma forma de demarcar o espaço escolar como uma plataforma de acolhimento de toda e qualquer criança e adolescente, reafirmando segurança e uma sensação de conforto, incluindo as exclusões sociais, disponibilizando recursos e, assim, contribuindo para um bem estar incalculável, incomparável e extremamente necessário.

Percebendo um fator essencial, de caráter urgente, as discussões que envolvem as diversas técnicas de aprendizagem no que tange o desenrolar de atenções especiais, cuidados específicos, atendimento cauteloso e, em alguns casos, consulta a profisisonais especializados, alguns transtornos surgem no desenvolvimento de alguns alunos e impactam seu desempenho na vida escolar e, posteriormente, na vida social adulta. Diagnosticado no início, as chances de minimizar possíveis temores são maiores e para que isso aconteça, de fato, disseminar informação e preocupação em relação ao ensino-aprendizagem é de extrema importância. “Uma das ocupações da escola é o tratamento do respeito e das diferenças, enfrentando o conflito das ideias e a melhor forma de isso acontecer é falando no assunto, conversando, esclarecendo e ensinar como lidar com as diversas individualidades que compõem a escola”, esclarece a pedagoga Luciana Barros.

DISLEXIA

A dislexia é um transtorno genético e hereditário presente em aproximadamente 10% da população mundial. Confundida em alguns casos com déficit de atenção ou problemas psicológicos, esse transtorno se caracteriza pela dificuldade do indivíduo em decodificar símbolos, ler, escrever, soletrar, compreender um texto, reconhecer fonemas, exercer tarefas relacionadas à coordenação motora e pelo hábito de trocar, inverter, omitir ou acrescentar letras/palavras ao escrever.

A Irmã Adair Aparecida Sberga, Diretora Executiva da Rede Salesiana de Escolas, afirma que que os disléxicos não são todos iguais e por isso, o diagnóstico que comprova a dislexia em uma criança só é possível a partir de um laudo médico feito por uma equipe de profissionais. “Uma instituição escolar não tem competência para diagnosticar esse distúrbio de aprendizagem de origem neurológica, tem somente indícios que comprovam dificuldades na leitura e interpretação de um texto; dificuldade na escrita tanto pela caligrafia defeituosa, quanto pela troca e confusão entre as letras; muitas vezes o aluno não escreve as palavras até o final, pois se cansa rapidamente”, destaca.

Existem alguns tipos de dislexia que acarretam as dificuldades no aprendizado, como: Dislexia Auditiva ou Disfonética: ocorre devido a carência de percepção dos sons, o que irá acarretar dificuldades com a fala, erros na escrita

trocando as sílabas e erros na leitura; Dislexia Visual ou Diseidética: ocasionando dificuldades em diferir os lados direito e esquerdo e erros na leitura; Dislexia Mista: união de dois ou mais tipos de dislexia, a pessoa terá dificuldades representadas por esses tipos, como por exemplo, poderá ter dificuldades visuais e auditivas ao mesmo tempo. E a Dislexia Adquirida e de Desenvolvimento.

A psicopedagoga Luciana Barros indica que a dislexia de desenvolvimento é uma condição genética “que alude a uma dificuldade e/ou incapacidade relacionada a leitura que ocasiona problemas de aprendizagem. Já a dislexia adquirida é um dano cerebral ocasionado a partir de um traumatismo ou lesão cerebral, ou seja, antes a pessoa lia normalmente, mas após o dano cerebral, instaurou a perturbação”.

A dislexia, segundo Luciana, só pode ser diagnosticada após o 2º ano do ensino fundamental, quando a etapa escolar para a aquisição da leitura e escrita foi concluída. Porém, os sinais do distúrbio começam a ser percebidos na fase anterior, no ensino infantil. Se os sinais não forem diagnosticados, a criança pode ser prejudicada e pode ser vista como apática, desenvolvendo, em alguns casos, perturbações de ordem emocional e afetiva. “A criança disléxica é inteligente e percebe suas dificuldades em comparação ao desempenho dos coleguinhas e com isso começa a se achar incapaz, inferior e menos inteligente que os outros. Tem casos em que a criança se isola, tem vergonha, não quer demonstrar que não sabe, não tira dúvidas, se irrita com facilidade, etc”, ressalta a Ir. Adair Aparecida Sberga, Diretora Executiva da Rede Salesiana de Escolas.

O processo de tratamento para as crianças disléxicas é multidisciplinar, realizando uma avaliação neuropediátrica, neuropsicológica, fonoaudiológica e psicopedagógica, evidenciando as capacidades e dificuldades, potencializando, assim, as possibilidades em conviver com esse distúrbio. Como não existe cura para a dislexia, com um acompanhamento adequado, é possível elevar a qualidade de vida.

Atividades exercidas na rotina dos alunos disléxicos contribuem para um estímulo significativo, incentivando o desenvolvimento da leitura e da linguagem. “É possível realizar um trabalho direcionado e lúdico de contação de histórias; de atividades dirigidas na biblioteca; de valorização do livro; de encenação, conhecimento e construção de personagens; de acompanhamento individualizado para a tomada de consciência dos erros ortográficos, das trocas e da confusão na escrita e leitura, entre outras possibilidades, estimulam tanto no desenvolvimento da capacidade de leitura, quanto no aprimoramento da linguagem”, destaca a Ir. Adair.

TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE (TDAH)

De acordo com a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), o TDAH é um transtorno neurobiológico, com grande participação genética, que tem início na infância e que pode persistir na vida adulta, comprometendo o funcionamento em vários setores. Caracteriza-se por três grupos: hiperatividade, impulsividade e desatenção.

Felipe Lima, pesquisador nas áreas de PNL (Programação Neurolinguística), Hipnose e professor universitário de cursos de pós-graduação, afirma que “sofrer por TDAH é mais comum que as pessoas imaginam. E não é algo que deve ser banalizado e sim diagnosticado por profissionais qualificados. Hoje em dia é frequente que as pessoas façam um autodiagnostico de TDAH sem nem saber o que é isso, só por sentirem dificuldades nos estudos”.

O diagnóstico de TDA ou TDAH é confirmado se a criança apresentar pelo menos seis dos sintomas de desatenção e/ou hiperatividade e se os mesmos persistirem, por pelo menos seis meses, em grau inconsistente com o nível de desenvolvimento da criança.

Segundo a Ir. Adair Aparecida Sberga, Mestre em Educação pela Università Pontifícia Salesiana – Roma e Doutora em Psicologia pela USP/ RP, o diagnóstico exige muita cautela, pois deve considerar a história de vida da criança e seu estágio de desenvolvimento. “Quando os sintomas não trazem prejuízo e não comprometem o desenvolvimento global da criança, os mesmos não são considerados transtornos psiquiátricos e se encaixam dentro dos padrões da normalidade, sendo que alguns dos sintomas podem estar relacionados ao temperamento da criança, ou ainda ser provocados por situações inadequadas do contexto familiar ou escolar”.

Dentre os sintomas apresentados pelos especialistas, osmais comuns de desatenção que frequentemente se manifestam são: dificuldade de manter a atenção em detalhes ou comete erros por descuido naquilo que faz; não consegue focar a atenção nas tarefas e/ ou atividades lúdicas; não presta atenção quando as pessoas lhe dirigem a palavra; não segue comandos, regras e/ ou instruções (o que não significa um comportamento opositor); não conclui seus deveres escolares, domésticos, brincadeiras, etc.; não consegue se organizar espacialmente e perde seus pertences com facilidade; deixa de cumprir tarefas, atividades e compromissos por esquecimento; não mantem a concentração e se distrai com estímulos alheios, pequenos barulhos, etc.; não se envolve em atividades que exigem esforço mental constante (como atividades escolares, não gosta de brincar com jogos que demoram, exige concentração como o xadrez, quebra cabeça…), etc.

Com um diagnóstico preciso, que indicará o tratamento adequado para a criança portadora de TDAH demonstrando os devidos esclarecimentos aos professores e aos demais alunos que compõem o grupo escolar, “o aluno que possui esse transtorno será respeitado em suas particularidades e limitações, passando por processos escolares de adaptação”, destaca a psicopedagoga Luciana Barros.

TÉCNICAS DE APRENDIZAGEM X TDHA

O TDAH, além de suas dificuldades naturais, intensifica a desmotivação causada pelo baixo desempenho nos estudos. A cobrança da família e a falta de habilidade de professores acaba desmotivando os alunos a se empenharem nos estudos. “Parece que os esforços são em vão e que por mais que se estude as notas são sempre baixas. Isso ocorre porque ninguém gosta de jogar um jogo que se perde. Temos prazer de praticar um esporte, por exemplo, quando temos bons resultados nele”, destaca Felipe Lima, que complementa: “As palavras de ordem são – paciência e persistência”.

Segundo o especialista e pesquisador em Programação Neurolinguistica, três técnicas têm se mostrado muito eficientes com pessoas portadoras de TDAH: a memorização (método do modelo binário), mapas mentais e leitura dinâmica.

O método do modelo binário permite associações mais ricas entre os elementos a serem memorizados. Ela utiliza os três canais sensoriais, segundo a Programação Neurolinguística: auditivo (tudo o que se lê e ouve), o sinestésico (olfato, tato e paladar) e o visual (utilizando cores, movimento e exagero). Basta criar associações absurdas entre os itens que se pretende compreender em um filme mental, como uma história, fazendo com que os elementos interajam, o que cria conexões neurais mais ricas e estimulam não apenas o aprender, como também o lembrar.

A leitura dinâmica é um treinamento muito simples com exercícios que devem ser executados diariamente. Ao contrário do que inicialmente possa se pensar, ela não prejudica a compreensão durante a leitura, auxiliando no entendimento do que é lido. Outras duas competências naturalmente com os exercícios de leitura dinâmica são a concentração e a velocidade de leitura, mas sem o sentimento de pressa ao ler. Todas as práticas de leitura dinâmica devem ser feitas sempre antes do estudo. Durante a leitura deve-se primar para compreensão do texto lido, respeitando o tempo necessário que cada pessoa leva para concluir o texto.

Os mapas mentais é o método mais eficiente para estimular a memória, o raciocínio e se obter excelentes resultados práticos sobre aprender e lembrar. Eles devem seguir 5 regras básicas descritas no livro MAPAS MENTAIS E MEMORIZAÇÃO PARA PROVAS E CONCURSOS (Ed. Impetus): 1) Escrever com letras grandes, o que estimula o canal visual; 2) Usar cores diferentes; 3) Escrever sempre partindo do centro da página (modo paisagem, na horizontal) para as extremidades; 4) Abreviar quando necessário, desde que não prejudique o entendimento do conteúdo anotado; 5) Usar imagens, o que também estimula significativamente o canal visual e permite uma fixação melhor do que é estudado.

PRECISAMOS FALAR SOBRE INCLUSÃO

Acreditar em uma educação inclusiva é uma forma de reavivar e reestruturar a esperança em aspectos positivos, disseminando um convívio social embasado em práticas humanistas, respeitosas, com o devido espaço à diversidade. Constatar as dificuldades peculiares, adentrar o universo particular dos alunos e ajudá-los a desatar os imensos nós que crescem de maneira exacerbada e seus devidos conflitos, é uma forma de abrandar transtornos e transmitir conforto.

Fernanda de Sousa, assessora de práticas inclusivas na Escola ALEF, localizada no Jardim Paulistano, em São Paulo, acredita que “nas bases fundamentais de qualquer escola precisa estar o entendimento da necessidade de propostas educativas endereçadas às questões do nosso tempo para formar cidadãos do mundo. Dentre elas, a criação de espaços e ofertas de escolarização que permitam a diversidade, a circulação dos diferentes e das diferenças, além de novos modos de relação com o conhecimento”.
Segundo a assessora, o que a inclusão traz à tona é a necessidade de releitura da instituição escolar. A escola precisa se reescrever para fazer sentido para crianças que acessam qualquer conhecimento no universo digital e que estudam junto com outras (autistas, disléxicas, por exemplo) para as quais a relação com o conhecimento não se inscreve da mesma maneira. E é fundamental que todas elas possam viver sucessos.
A Escola ALEF, inspirada no modelo colaborativo de constituição da comunidade judaica, atravessada por valores milenares, tais como a ajuda ao próximo e a promoção da justiça social, desenvolve, como conta Fernanda de Sousa, quatro pressupostos básicos para trabalhar com a construção de boas práticas inclusivas na escola que, em suma, são: educamos todas as crianças; a inclusão é um fato; a escola não pode se pretender sem falhas; e não existem práticas inclusivas que sirvam para todos. “A escola pode e deve, sim, promover atividades em sala de aula e fora dela como forma de construção de um espaço solidário e cooperativo. Não se trata de curar ou proteger, mas sim de receber o diferente. Esse recebimento implica a necessidade de analisar uma série de fatores e implicações concernentes à situação. Trata-se das relações, de como entendemos os acontecimentos e qual lugar damos a eles”, finaliza.

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