Perfil da Escola — E.E. Professor José Monteiro Boanova
Matéria publicada na edição 62 | Outubro 2010 – ver na edição online
Quando a sala de aula funciona
Primeira colocada no ranking do ENEM de 2009 entre as escolas estaduais da Capital paulista, a Professor José Monteiro Boanova colhe frutos de uma receita baseada na simplicidade, a qual inclui aulas bem dadas, projetos extraclasse e um monitoramento diário deste trabalho pelos gestores.
Por Rosali Figueiredo
Fotos João Elias
Uma placa do Rotary Club do bairro da Lapa, zona Oeste de São Paulo, homenageia a direção, coordenação, professores e alunos da Escola Estadual Professor José Monteiro Boanova pelo desempenho dos estudantes do Ensino Médio no último Exame Nacional de Cursos (ENEM), quando a nota de 599,98 a colocou como a mais bem sucedida da rede em São Paulo, a quarta melhor entre todas as estaduais e com média superior a muitas instituições privadas de sua região. A placa lembra a todos os que entram nas dependências simples e espaçosas da escola que ali existe um grupo que está cumprindo com o seu papel, seja a equipe ou os aprendizes. Do lado de fora, reportagens recentemente publicadas por grandes jornais diários ou veiculadas por programas de rádio projetam o seu nome entre os estabelecimentos que devem ser reconhecidos como parâmetro de um bom trabalho em educação.
Não é pouco. Até alguns anos atrás, a Professor Boanova não gozava de reputação positiva entre seus vizinhos do Alto da Lapa, local onde está desde 1952. “Tínhamos problemas disciplinares sérios, foi uma época difícil, mas fomos construindo uma relação de respeito entre professores e alunos e obtivemos essa melhoria. Não foi a primeira vez que ficamos em primeiro lugar no ENEM”, afirma a coordenadora Renata Maria Rochiti Handa. Segundo ela, um dos segredos para a mudança da situação está na diminuição da rotatividade do quadro de professores, hoje um dos grandes problemas da rede estadual de São Paulo.
“Temos agora um percentual muito maior de professores efetivos, o que possibilita a continuidade do trabalho, dos projetos. Assim, podemos discutir as dificuldades de um ano e melhorá-las no seguinte.” Renata diz que 80% das aulas são dadas pelos professores efetivados na escola, o que contribui e muito para a diminuição do número de aulas vagas, hoje raras na Boanova. Ela própria está na escola há nove anos, acompanhada há seis pela vice-diretora Nilce Elaine Helbert Salvestrin. O quadro gestor é completado pela diretora Laura Joana Lafratta Amada, recém-chegada, e a coordenadora Bruna Dzeidzei Leal, há dois na escola.
“Um bom quadro de professores efetivos ajuda a criar um elo afetivo com a criança desde o 6º ano, gera um vínculo dela com a escola. Torna possível acompanhar e trabalhar essa criança ao longo de sete anos”, observa a vice-diretora Nilce. Já a diretora Laura Amada diz que encontrou na instituição uma boa dose de comprometimento do profissional, o que faz “o diferencial da escola”. Ela inclui, nessa análise, o envolvimento da própria equipe gestora. “Quando o professor atua em uma escola em que sabe que o gestor se envolve e está preocupado com ele e com o aluno, ele passa a se sentir parte de uma equipe”, acrescenta Laura. Na Boanova, há docente que chega a ministrar aulas extras de reforço em seu horário de descanso. De outro lado, a coordenadora Renata pondera que isto resulta de um investimento diário e contínuo, o qual forma “a ideia do conjunto”. “Não questiono a competência dos professores, mas ela isolada não traz resultado. É preciso construir a noção do todo.”
Reciprocidade
A E. E. Professor Boanova possui cerca de 800 alunos, do 6º ano ao 3º do Ensino Médio, com aulas no período matutino e vespertino. Tem 45 professores – “boa parte deles com jornada integral na própria escola, de 33 horas/aula semanais”, além de seis funcionários efetivos e limpeza terceirizada. No período da manhã, Renata acompanha as atividades do Ensino Médio e do 9º ano, atendendo a professores e alunos, observando eventuais dificuldades de ambas as partes e procurando mediar a situação. A base é o diálogo, além da cobrança sistemática do comprometimento do próprio aluno, chamando-o para uma conversa individual quando seu desempenho cai ou acontecem casos de indisciplina.
“Temos uma meta educacional que vai além do vestibular, nos preocupamos, por exemplo, como eles se sairão em uma entrevista de emprego. Os professores trabalham muito, vão além do que está colocado no currículo.” Os bons resultados começam a atrair alunos da rede privada na região, mas a principal clientela da Boanova ainda é formada por egressos do setor público, oriundos de bairros como Butantã, Rio Pequeno, Jaguaré, Pirituba e até o município de Osasco. É o caso da jovem Melissa Miranda Saraiva, de 16 anos, do 2º ano do Ensino Médio e residente no Jardim Bonfiglioli, zona Oeste. Desde o 9º ano na Boanova, Melissa destaca o bom nível dos projetos e das aulas, o que justifica pegar diariamente mais de duas conduções somente para chegar à instituição. “Dona Renata não deixa sair da linha”, comenta Melissa acerca da coordenadora.
Já a estudante Renata Barbosa de Sá Carvalho, de 15 anos e matriculada no 1º ano do Ensino Médio, se desloca de Pirituba e ressalta que chegou na Boanova “por indicação”, em busca de uma “escola mais rígida”. Para o estudante do 3º ano, o jovem Jean Carlos de Oliveira, de 17 anos, a rigidez se traduz no “acompanhamento de todo aluno que perde rendimento”. Morador da região, Jean frequenta um cursinho gratuito no período noturno, no bairro da Lapa, e demonstra confiança na aprovação do vestibular no final do ano, em instituições que oferecem Comércio Exterior.
Está aí o outro lado da moeda quando se fala em sucesso na aprendizagem, observa a diretora Laura Amada. “Além do professor comprometido, o aluno tem que estar disposto a aprender.” É um compromisso mútuo ou recíproco, que faz andar muitos dos projetos intra ou extraclasse e reforça o vínculo com os colegas e a instituição. Na festa junina deste ano, por exemplo, os gestores optaram por um formato diferente do usual, promoveram um evento exclusivo aos estudantes, ou seja, fechado à comunidade. A confraternização começou dentro de cada sala de aula e depois foi estendida ao pátio, de forma a que os alunos tivessem oportunidade de vivenciar uma integração. “Eles andavam brigando muito entre eles e essa foi a maneira que encontramos para trabalhar o relacionamento”, explica a coordenadora Renata.
Um “beabá” bem feito
Entre os demais projetos desenvolvidos ou programados para este ano, Renata destaca a exibição de filmes de longa metragem para o grupo, associada a debates em torno de assuntos como ética e cidadania; o festival de música, agendado para início de novembro; a gincana cultural, de caráter multidisciplinar; atividades de produção de texto, premiando-se os melhores trabalhos; e o campeonato esportivo. O festival de música é emblemático desta busca de reciprocidade do aluno. “Percebemos que eles gostam muito de música, que o projeto faz com que se acheguem mais à escola, ao mesmo tempo em que permite a eles descobrirem que podem escrever e compor”, observa Renata.
Afora isto, a escola segue o “beabá” convencional do Estado, enfrentando mesmo as dificuldades geradas pela estrutura burocrática (que não dá autonomia ao gestor para contratar e escolher sua equipe de trabalho), pelos vícios da progressão continuada, por um plano de carreira com progressão mínima e pela sobrecarga de trabalho dos professores que buscam complementação da renda. “Mas partimos do princípio que temos regras e leis que precisam ser cumpridas”, afirma a diretora. No entanto, as relações são democráticas e as soluções buscadas coletivamente, ressalva. Durante o HTPC (Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo), que acontece semanalmente, a equipe gestora aproveita para trabalhar eventuais dúvidas dos professores e conhecer um pouco mais sobre o contexto de cada sala e aluno.
A estrutura da escola é simples, dispõe de uma biblioteca com bom acervo e duas professoras readaptadas (por motivos de saúde, suas funções foram deslocadas da sala de aula), sala de informática, de vídeo e um pequeno laboratório de Física e Química. “Nosso diferencial vem de um grupo de professores que trabalham com muito afinco”, explica a vice-diretora Nilce. Não à toa, suas médias no Saresp (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) de 2009 estão acima da média entre as escolas estaduais, nas disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, História e Geografia. Também na Prova Brasil e no SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica do País) 2007, suas notas de Matemática, por exemplo, apresentaram desempenho superior à média. Por tudo isso, o aluno Jean Carlos aposta em uma grande performance no ENEM de 2010, abrindo-lhe as portas do ensino superior.
Saiba mais:
Renata Maria Rochiti Handa
www.eeboanova.blogspot.com/
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