Smartphones em sala de aula: uma ferramenta? Em quais termos?
Por Idelfranio Moreira
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Quando utilizamos nossa rede social, e visualizamos uma postagem de cada vez, temos a sensação de um fluxo de conteúdos (feed) infinito; como se fosse um pergaminho sem fim que desenrolamos para continuar lendo.
Porém, a verdade é que o feed não existe! Hoje sabemos que o engajamento do usuário – curtidas, comentários, compartilhamentos – ensinam o algoritmo a apresentar conteúdos que nos agradam. A construção acontece à medida em que se rola a tela. Afinal, nesse modelo de negócio – onde o produto é você – reter sua atenção e consumir seu tempo é o objetivo.
Muitos acreditam que proteção de dados se trata de CPF, RG e data de nascimento. Mas, os dados que realmente interessam às big techs – as empresas de inovação criadoras das redes sociais – são os dados de engajamento. Eles demonstram os gostos, as crenças e os comportamentos de cada usuário.
No feed, as notificações que avisam novos posts de interesse, novos comentários, novos seguidores etc., são resultado das chamadas tecnologias de persuasão. São exemplos dos mecanismos que os designers comportamentais utilizam para mudar o jeito como os usuários pensam e agem.
Algoritmos de recomendação não é sobre tecnologia, mas sobre funcionamento do cérebro humano. As regiões do cérebro que compõem o chamado Sistema de Recompensa e que, quando alimentadas por Dopamina, nos dão sensação de prazer imediato. É esse mesmo mecanismo que explica os vícios de todos os tipos. Inclusive, explica muito do comportamento de nossas crianças e jovens (filhos e alunos) hoje em dia. Nascerem imersos neste mundo de tecnologias móveis, internet e redes sociais, resultou em terem seus cérebros – ainda imaturos – capturados, persuadidos, viciados.
Segundo dados do portal Mobile Time, em pesquisa de 2021, crianças brasileiras possuem smartphones próprios e acesso à internet, a partir dos 3 anos de idade. Daí, desenvolvem hábitos de utilização que levam a tempos de tela de mais de 4 horas por dia.
Em contraponto, no The New York Times (2018) a jornalista Nellie Bowles, demonstrou como os executivos do Vale do Silício tratavam a tecnologia com seus próprios filhos. Um caso marcante e didático é o do criador do conceito de Cauda Longa na internet, Chris Anderson. Pai de cinco filhos, ele estabeleceu 12 regras para eles quanto ao uso de tecnologia móvel e internet. Citarei três aqui: sem aparelhos próprios até a idade do ensino médio, o primeiro aparelho próprio não ser novo nem do último modelo e, rede social própria, não antes dos 13 anos de idade.
Tudo isso, nos faz entender que não se trata apenas da distração causada pelas notificações. Pior é estar preso no fluxo sem fim das redes sociais. Assim, hábitos como largar o aparelho (a tela) pelo menos uma hora antes de dormir e não pegar nele logo ao acordar, podem ser bons para recobrar o controle sobre o próprio cérebro (e comportamentos). Dados do último PISA, 2022, mostraram que pelo menos metade das crianças e jovens – nos quase 80 países da OCDE – se sentem ansiosos e/ou nervosos quando longe de seus smartphones.
Tratar disso nas escolas com ações pedagógicas que levem a uma cultura digital é urgente. Não se trata da ação simplista de tirar a tecnologia. Seria ingênuo, até. O mundo tornou-se tecnológico. Precisamos aprender a viver nele. E aprende-se a usar, usando! Políticas educacionais que determinem ‘quando’ e ‘como’ utilizar tecnologia na jornada de aprendizagem é que podem surgir grande efeito.
O ‘quando’ implica que há momentos de uso e de não uso. Interações sociais presenciais e síncronas, mão-na-massa, consciência social, tudo isso é realizado sem necessidade de smartphones nem internet. O ‘como’ aparece no planejamento dos Professores, nas práticas pedagógicas, nas ferramentas metodológicas e nos objetivos de aprendizagem.
Tempo de tela e smartphone não são o problema, de fato. Dispositivos tecnológicos e tempo de tela orientados por um educador, cumprindo os passos de um planejamento é que trazem os benefícios da tecnologia para a aprendizagem.
Em 2023, um documento da UNESCO questionava em seu título ‘Tecnologia na Educação: uma ferramenta em quais termos?’. Esse questionamento me lembra “com grandes poderes vêm grandes responsabilidades” (do filme do Homem-Aranha… conhece?!). Já presenciamos o grande poder que as tecnologias podem ter sobre nós – e podem ser para nós. Chegou a hora de assumirmos as responsabilidades por isso.
Idelfranio Moreira é Gerente de Ensino e Inovações Educacionais do SAS Plataforma de Educação. Atua com Formação de Professores. Edutuber integrante do selo Youtube EDU, do Google Brasil, apresentador das Quase 24 Horas de Formação de Professores ao Vivo e divulgador Científico integrante do selo Science Vlogs Brasil.