Tecnologia Educacional: bases para uma tomada de decisão pelo gestor escolar
Ponto 1: Livre mercado e educação: lógicas convergentes?
A educação básica, já há alguns anos, está sendo transformada segundo o padrão do mercado de consumo. Isso é fato e não se pode ignorar. No entanto, é preciso analisar o que deseja o consumidor de educação. Não creio que ele esteja necessariamente em busca de novas atrações ou da excitação de sensações ainda não experimentadas, o que, de maneira geral, compõe o jogo do consumidor. Claro que quem acompanha publicações de tecnologia da educação sente certa ansiedade em torno dos novos aparatos, traço típico do desejo insatisfeito que alimenta o mercado.
Com efeito, centenas de novidades são veiculadas diariamente, para sugerir ao professor que, “se ele acha que, depois de ler as ‘100 melhores práticas para usar o Twitter em sala de aula’, começou a saber algo sobre o assunto, ele na verdade ainda não viu nada, pois há mais ‘100 ferramentas que vão mudar o modo como os educadores ensinam’”. Uma grande armadilha, que contribui para deixar ainda mais confuso um quadro que está hoje bem nebuloso, justamente pelo excesso de informação e ofertas.
Portanto, é preciso discernimento aos gestores e educadores, de maneira que evitem o “canto do cisne” de soluções que prometem baratear custos e facilitar a vida do professor. Em educação, não existe trabalho fácil, senão uma construção, uma autoria diária em torno da significação da aprendizagem, que deve envolver a todos, entre eles, os próprios estudantes. Esse processo deve estar refletido, previsto e descrito no projeto pedagógico. Assim, a tecnologia educacional deve sempre ser vista sob essa ótica, agregar em vez de tentar compensar e/ou substituir o trabalho de mediação, produção e construção intrínseco ao processo de ensino-aprendizagem.
Ponto 2: Livre mercado e a esfera pública dos Direitos
O mundo vive em meio a sucessivas revoluções tecnológicas, mas não se pode dizer que há uma revolução em curso no campo da educação. A atual penetração de dispositivos e aplicações pode aumentar o desempenho de professores e alunos, mas não necessariamente proporcionar um aprendizado melhor. Ocorre que os alunos estão chegando à escola já marcados pela presença de recursos tecnológicos e ambientes virtuais em suas vidas. Trata-se, nesse sentido, e em primeiro lugar, de uma questão comportamental, ou seja, será muito difícil ensinar sem entender as formações subjetivas imanentes ao modo como as pessoas interagem em ambientes virtuais. Todavia, muitas escolas seguem pensando que se trata de ensinar tecnologia aos alunos, quando, na verdade, se trata de ensinar através da tecnologia. Professores e livro didático não são mais fonte de informação. A informação está facilmente disponível, e a questão são os meios de que cada um possui para acessá-las, e a aplicação que é capaz de se dar a elas.
O que se pode verificar, de fato, é a reprodução, no âmbito das escolas, do que já está consumado na organização da sociedade: de um lado, aqueles que se emanciparam do espaço e vivem no tempo de um presente sem memória; de outro, aqueles que estão marcados pela exclusão.
Em recente entrevista ao jornal Estado de Minas, a psicóloga Jane Haddad observou:
“Nossa educação está diante de um grande dilema. Ou vai atender totalmente o mercado e, com isso, tratar os alunos como objetos, ou ela convoca a família a pensar junto. Está na hora de nos perguntarmos qual o papel das escolas. E por que se fala tanto em parceria escola-família? Realmente ela ocorre?”
(Belo Horizonte, 26/08/2012 – http://migre.me/aSzYb)
O problema é grave. A não existência de consenso entre família e escola revela que a coesão social como um todo está comprometida. A alteridade encontra-se comprometida, e há sério risco de que a tecnologia reforce essa tendência, afinal, não há necessidade de se comprometer com o outro, se você pode sempre evitá-lo, ou deletá-lo. Mais uma vez, portanto, é preciso definir juntamente com o projeto educacional da escola, o que pressupõe uma parceria tácita com a família, a que fim se destina a implantação da tecnologia no ambiente de aprendizagem e de formação de valores.
Ponto 3: Rearticulando a família com a escola: novos parâmetros para a tomada de decisão
No início de setembro, pudemos participar da primeira reunião com um grupo de pais do Ensino Fundamental de uma escola da rede privada que está implantando a rede educativa Edmodo. O propósito do encontro era, em primeiro lugar, apresentar os encaminhamentos que a escola está realizando no sentido de incorporar a tecnologia ao aprendizado. Em segundo, mostrar aos pais o funcionamento do Edmodo, e, por fim, orientá-los a efetuar cadastro para pais e a acompanhar um pouco da vida escolar do filho.
Neste grupo de pais, 60% declararam participar de redes sociais. Destes, 100% têm perfil no Facebook. Quem declarou não estar em nenhuma rede social, disse conhecer todas as que o filho frequenta. Além disso, cerca de 80% manifestaram vontade de usar o Edmodo antes mesmo de o filho estar conectado, e alguns, cujos filhos já estão conectados, quiseram já efetuar o login com o código para pais. No momento em que se falou sobre a possibilidade de a escola vir a usar dispositivos móveis em sala de aula, uma mãe quis saber como os professores conseguiriam manter a atenção dos alunos. Nesse momento, outros pais se manifestaram, dizendo que não se poderia atribuir ao uso de um dispositivo a falta de atenção, visto que isso pode ocorrer em qualquer situação.
No frigir dos ovos, a recepção desse grupo de pais nos surpreendeu, a começar pelo fato de terem comparecido à escola em um início de noite no meio da semana. Nesse sentido, não parece exagerado acreditar que surge, aí, uma possibilidade de (re) integrar os pais à escola. De fato, são muitos os obstáculos que foram se impondo entre família e escola ao longo das últimas décadas, de tal forma que um verdadeiro celeuma se estabeleceu onde deveria haver comunicação. Chegamos a analisar esse assunto em nosso artigo “A família na escola” (http://migre.me/aRG7k). Ademais, quando se considera as dificuldades de locomoção em uma cidade como São Paulo, não há como negar que superar as barreiras do espaço representa uma oportunidade salutar para todas as partes.
Ponto 4: A importância de se educar no ambiente virtual
(Finalmente, definidas as questões acima, chega o momento de implantação de um projeto de tecnologia educacional)
Um estudo recente feito com 500 estudantes que usam dispositivos móveis na escola revelou que a tecnologia lhes permite otimizar o tempo de estudo pela facilidade com que materiais como textos digitais são acessados. Assim, 85% dos pesquisados afirmaram terem passado a economizar cerca de duas horas de estudo por dia. Além disso, 75% dos estudantes afirmaram ter adotado definitivamente o formato digital para tomar notas, pesquisar, escrever relatórios e elaborar apresentações de aula, e 79% já submeteram relatórios e tarefas online. O estudo foi realizado pela parceria entre a Coursesmarth e a Wakefield Research e conta com um infográfico, disponível no endereço eletrônico http://migre.me/aSwZA.
Para além de alguns estudos de natureza quantitativa que começam a aparecer, ainda não temos, entretanto, muitos resultados para identificar as mutações que a tecnologia está provocando na paisagem das escolas. Todavia, parece certo que o engajamento dos estudantes no processo de aprendizagem requer mais do que um laboratório de informática.
Com ferramentais mais precisas de visualização de acesso por postagem, por exemplo, percebe-se na prática em sala de aula que alunos do 3º ano do Ensino Médio com o qual já trabalhamos praticamente não acessam os links e materiais disponibilizados. A maioria não foi à biblioteca. Quase todos não devem ter noção sobre como usar, por exemplo, o Google Docs.
A partir dessa constatação, percebe-se a necessidade de se criar, antes de qualquer definição quanto ao projeto de tecnologia educacional, uma espécie de centro de interesse do estudante por esses materiais. Ou seja, é preciso antes desenvolver entre os estudantes e educadores uma cultura propícia ao uso do ambiente virtual como suporte de aprendizagem, produção de sentido, caso contrário todo um esforço de planejamento e projeto poderá ir por água abaixo. Escolas que ficarem esperando as coisas acontecerem para somente então tomarem uma decisão vão perder oportunidades e frustrar os jovens.
Por Rodrigo Abrantes* e Rosali Figueiredo
*Rodrigo Abrantes da Silva é historiador e professor. Especializou-se em História Contemporânea pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), e atuou como pesquisador do Projeto Análise e do Núcleo de Pesquisas de Psicanálise e Educação (NUPPE) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Edita ainda o blog www.aulaplugada.com.
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