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"Transtorno da dependência da internet", isso é real?

A revista Scientific American Brasil deste mês, janeiro de 2013, traz um artigo chamado “O Encéfalo e a Era Digital”. Sem citar estudos científicos – o que se espera de alguém que publique em uma revista como essa -, seu autor, o neurocientista Jorge Quillfeldt, afirma que “o uso prolongado das redes sociais e dos videogames interativos (…) promove o estresse ou mesmo a dependência (análoga ao efeito das drogas).”

O embasamento científico do argumento é enunciado da seguinte maneira: “Até pouco tempo atrás essas eram meras opiniões subjetivas, mas agora começam a aparecer as primeiras evidências de estudos com usuários pesados: redução da atenção, diminuição da empatia, perda da identidade e autoestima, aumento do estresse e da depressão e diminuição da aversão ao risco, aumento da obesidade.”.

Puxa! Quanta pesquisa foi feita, não? Quantos milhares de usuários devem ter se submetido a elas! Mas o autor não cita nenhuma fonte, tampouco os métodos utilizados para se chegar a todas essas conclusões. Para início de conversa, eu perguntaria o que é um “usuário pesado”? E o que ele quer dizer com “diminuição da aversão ao risco”? Ter aversão ao risco seria então um comportamento normal? Ora, então aquela história de que “quem não arrisca não petisca” é mais uma das bobagens que as pessoas falam, assim de forma inconsequente?

Mas o aflito leitor de seu texto segue em frente e logo encontra uma solução para tantos desvios de comportamento: um diagnóstico! O autor já lhe antecipa até o nome: “Transtorno de Dependência da Internet”, a ser integrado no DSM-5, o Manual dos Transtornos Psiquiátricos. Que bom, não, já sabemos qual a causa do problema. Já temos uma noção do quê fazer. Só precisamos descobrir o nome do medicamento que vai resolver os sintomas. Talvez o leitor sinta-se até tentado, pela analogia com o famosíssimo diagnóstico Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) a ministrar, de forma preventiva, algumas doses de Ritalina aos seus rebentos digitais. Videogame com Ritalina, pronto, estamos fazendo o que precisa ser feito para resolver o problema! Estamos?

É interessante notar o nome, digamos, fantasia, que a Ritalina conquistou: é a “droga da obediência”, cuja compra e distribuição, apenas pelo Sistema Único de São Paulo (SUS-SP), aumentou em 54,9% no intervalo de um ano, conforme levantamento feito por 40 entidades de saúde, e noticiado pelo IG Saúde.

Estou longe de querer desqualificar a abordagem científica, assim como os avanços farmacológicos. Mas não tenho dúvida de que é preciso maior discernimento em diagnósticos; pesquisas mais consistentes, e, sobretudo, um posicionamento ético, indispensável quando se trata de questões comportamentais.

Por Rodrigo Abrantes da Silva*

rodrigo-abrantes*Rodrigo Abrantes da Silva é historiador e professor. Especializou-se em História Contemporânea pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), e atuou como pesquisador do Projeto Análise e do Núcleo de Pesquisas de Psicanálise e Educação (NUPPE) da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Edita ainda o blog www.aulaplugada.com.

Mais informações:  [email protected]

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