Violência no ambiente escolar. Mas onde ela começa?
Neste ano de 2012, venho sentindo uma necessidade de aquietar os ruídos externos e esvaziar-me de tantas informações e teorias “lógicas” que aprendi como aluna no curso de Pedagogia. Após atuar muitos anos dentro da instituição “escola”, compreendi a urgência de uma interlocução com a Psicanálise a fim de entender a importância da família na estruturação psíquica de um sujeito.
Foi na teoria psicanalítica que entendi a importância desta função da família. Dentre todos os grupos humanos, “a família desempenha um papel primordial na transmissão da cultura” (…), a família prevalece na educação precoce, na repressão dos instintos e na aquisição da língua, legitimamente chamada materna. (LACAN, 2003, p. 30).
A origem de todo ser humano é inaugurada pela violência fundamental, o desamparo primitivo, o bebê chega ao mundo totalmente dependente dos cuidados maternos, e tem com isso a ilusão de completude, uma fusão mãe-bebê.
Esse sentimento de completude e bem-estar vai ser “quebrado”, inaugurado com a entrada do pai, não aquele pai do dia a dia e sim o pai enquanto (função simbólica) de estabelecer interdição da relação mãe-bebê (eles não podem se completar). Cabe esclarecer que a entrada desse “pai” é que permitirá o descolamento do filho-objeto do desejo materno e, portanto, abrir a possibilidade do filho (a) estruturar-se como sujeito. O pai na Psicanálise representa a função de instaurar a lei, lei que interdita, que proíbe, que marca a falta, permitindo a entrada do desejo. Aquele filho deseja algo para além do amor materno.
A instauração da lei paterna é que permite a organização da sociedade, garantindo dessa forma a transmissão dos ideais coletivos que receberam como herança de seus antecessores, do respeito ao próximo e hierarquia. Reconhecer no outro a autoridade que lhe imposta.
Para Lacan, “a ausência do pai na família gera um terreno favorável à eclosão de uma psicose”. Fato que vem sendo comprovado muitas vezes no cotidiano da clínica. Estamos diante da ausência da função paterna na educação.
Os filhos estão crescendo sem privações, de seus instintos mais primitivos, o que os mantêm em estado de ilusão de que a vida é só prazer e felicidade. Freud nos alertou em seu trabalho, intitulado O mal-estar na civilização (1930), que o mal-estar é inerente ao ser humano, já que o indivíduo para viver em uma civilização terá que domar seus instintos agressivos, como condição básica para se viver em grupo. A estrutura familiar contemporânea estaria cumprindo sua função no processo de constituição desse sujeito-filho-aluno?
Os filhos-alunos contemporâneos reconhecem-se como seres “incompletos”? Ou estaríamos diante de uma geração que vem sendo educada apenas no princípio do prazer, lembrando mais uma vez, que para viver em uma civilização é necessária a explicitação e o reconhecimento da lei.
Estaria a escola recebendo alunos com uma “deformação da realidade”?
Comprometendo a relação professor-aluno?
Acredito que a sociedade contemporânea está diante de jovens desesperados para lidarem com seus sentimentos de impotência, frutos da permissividade familiar. Como colocar em palavras o que não foi apreendido?
A função primordial da família, composta por adultos, seria a de abrir a via do simbólico pela linguagem, deixar a palavra aparecer, ser dita e escutada, mas como isso está cada vez mais difícil, acredito que encontramos diante de nós jovens “falando pela via do agir, mostrada em atos de violência”. Não deixa de ser uma saída para o alívio dos seus instintos não contidos, o de destruir aquilo que o ameaça.
Cabe aqui uma última provocação, que abordarei no próximo artigo: O que levou o jovem Wellington, de 23 anos, a cometer o massacre de doze jovens e depois se suicidar? Para relembrá-los, Wellington foi aluno da Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro do Realengo no Rio de Janeiro, e no dia 7 de abril de 2011 invadiu o local e começou a atirar contra os estudantes. Episódio que será tratado em nosso próximo encontro neste espaço, desdobrando o tema iniciado por este artigo.
Referências:
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização (1930[1929]). Vol. XXI. Edição Standard Brasileira das Obras psicológicas completas de Sigmund Freud [E.S.B.], Rio de Janeiro: Imago, 1980.
Lacan, J. (1938/1987) Os complexos familiares na formação do indivíduo – ensaio de uma função em Psicologia. RJ: Jorge Zahar Editora.
Por Jane Patricia Haddad *
*Jane Patricia Haddad é pedagoga, com especialização em Psicopedagogia, Docência do Ensino Superior e Psicanálise. Atuou por mais de 20 anos em escolas como professora, coordenadora pedagógica e diretora, é consultora institucional e conferencista. Autora dos livros: “Educação e Psicanálise: Vazio existencial” e “O Que Quer a Escola: Novos Olhares resultam em Outras Práticas”, ambos publicados pela editora Wak, do Rio de Janeiro. Atualmente cursa o Mestrado em Educação na Universidade Tuiuti no Paraná , onde seu tema de pesquisa é a Indisciplina Escolar.
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