A Sexualidade na Infância
O adulto, diante do tema A sexualidade na infância, torna-se perplexo. Essa perplexidade vem do pré-conceito e da repressão sexual construída ao longo de séculos. A psicanálise tem aqui o papel fundamental no sentido de contribuir para que se tenha um novo olhar a respeito do tema. Uma educação sexual contínua e o entendimento a respeito da forma como a psicanálise aborda a questão da sexualidade infantil certamente irão impactar de forma positiva no entendimento de adultos acerca da sexualidade infantil.
O mundo da criança, na caminhada da descoberta do mundo exterior, encontra, nas fases de evolução, o despertar de uma sexualidade que não é necessariamente a prática do sexo. Sexualidade, aqui, interpretada como prazer, ou seja, a satisfação de um desejo. Por isso, a ideia do artigo é exatamente tratar do tema, mostrando que a sexualidade humana é uma expressão que se manifesta na fase mais tenra da infância.
Entender o corpo erógeno sobrepondo ao corpo biológico e transpor os obstáculos da imposição de valores éticos e morais para que possamos ter uma visão mais ampla da complexidade humana, no que tange o seu psíquico. Certamente conhecer a sexualidade na infância de um sujeito (aqui no conceito psicanalítico do ser) pode ser fator fundamental para a compreensão de suas neuroses e escuridão. É na infância que se imprime a personalidade do sujeito; ela é a fase do desenvolvimento humano em que somos impregnados de valores e sentidos que marcarão por toda a vida.
Palavras-chave: sexualidade da criança; educação familiar; visão atual do tema.
Introdução:
“O ser humano somente pode superar a sua infância para encontrar a sua unidade dinâmica e sexual de pessoa social responsável libertando-se mediante um dizer a verdade a respeito de si mesmo a quem puder ouvir. Esse dizer o instala então na estrutura de criatura humana verídica cuja imagem específica, verticalizada e orientada para os outros homens pelo símbolo de uma face de homem responsável, a sua, está referenciada ao face-a-face com os seus genitores” (Mannoni, p. 19). Temos aqui a importante ideia de que o sujeito adulto é lido e compreendido, quando buscamos estabelecer em sua vida um “confronto” com as imposições formativas de seus genitores. Da mesma forma, a compreensão perfeita do sujeito humano está em estabelecer através da análise o confronto entre as suas neuroses e a infância. Assim, não há como não estabelecermos as relações. A maioria dos adultos sente dificuldades diante de perguntas e cenas que expressam a curiosidade infantil sobre sexo. Diante disso, a criança é vista por muitos como um ser assexuado, e, por isso, não conseguem imaginar que possa haver relação entre a vida psíquica do adulto, a sua afetividade e seu equilíbrio emocional com a sua sexualidade infantil. O “anjo inocente” da infância fecha uma importante janela no entendimento humano. É preciso esse confronto esclarecedor.
O objeto deste artigo é levantar uma discussão a respeito da sexualidade na infância, suas fases e a importância do entendimento do tema para compreensão de pacientes neuróticos, independente de apresentarem neuroses no campo das realizações sexuais. Aqui, a questão da sexualidade na infância é relacionada às diversas formas de prazer estabelecidas na relação da criança com seus genitores, principalmente com a mãe. Mais do que isso, busca-se enfatizar a importância da sexualidade infantil no bom desenvolvimento do aparelho psíquico do sujeito. Não se pretende, contudo, acender a polêmica que à luz do pensamento Freudiano já está elucidada: existe, sim, sexualidade na infância, e a forma como é tratada traduz em uma matriz de significações, designando e situando a criança em conjunto familiar, além de desvelar a singularidade individual de cada um.
O início do entendimento…
É importante dizer que a descoberta da sexualidade infantil não é nada novo. Deve-se a Freud, médico neurologista e pai da psicanálise, que, no século XIX, através de suas análises, afirmou que o ser humano é dotado de impulsos sexuais desde a infância. Significa dizer que a criança é sim dotada de libido, o que Freud chamava de energia vital o que se manifesta em todas as fases do desenvolvimento de nossa existência. Desta forma, o corpo é dotado de zonas erógenas, entendidas como regiões no corpo que, quando estimuladas, acariciadas, desencadeiam sensação de prazer. Freud considerou que cada fase do desenvolvimento humano, a partir da infância, é caracterizada por uma zona erógena, ou seja, uma modalidade específica de organização da libido.
No desenvolvimento humano na infância, o sujeito tem três fases, que são correspondentes às três zonas erógenas. A fase oral é demarcada pelo prazer alimentar vivido durante a lactação do bebê. Nessa fase, mãe–bebê e/ou a pessoa responsável pelo cuidado estabelecem os vínculos de afetos importantíssimos ao desenvolvimento saudável de futuras relações objetais. A fase anal ocorre com a aprendizagem do controle esfincteriano. Para a criança, a projeção e retenção das fezes se dão internamente pelo corpo, mas ganha significado ritual de como expeli-las. A qualidade da relação com a mãe ou com a cuidadora certamente irá ser importante para gerar segurança na criança para tomada de decisão e capacidade de controle da vontade. Veem-se os possíveis efeitos na maturidade. A fase fálica ocorre quando a erotização é focada nas genitais. Aqui, a criança desvia a sua intenção para conhecer as diferenças anatômicas entre meninos e meninas. Os toques são normais nessa fase e mais uma vez entra aqui o papel da mãe e do cuidador, estabelecendo limites entre os impulsos agressivos e sexuais da criança que se aproxima natural do genitor de sexo oposto. Essa é a fase de triangulação-base do complexo de Édipo. O menino declarou seu amor pela mãe, e o pai adota ações que visam a controlar o incesto. A angústia do filho leva-o a ver o pai como competidor e ainda ser mais forte e fálico. É uma fase de conflito entre pai e filho que deve ser cuidadosamente trabalhada para não persistir na fase adulta. Segundo a psicanalista MacDougal: “…Se, na vida do homem adulto, persistir a crença de que seu pênis é menor do que deveria ser, baseada na fantasia inconsistente de que seu único sexo adequado é o paterno, precipitar-se-ão sintomas neuróticos e angústias, com as mesmas frequências com que estes ocorrem na vida sexual da mulher jovem, se esta se agarra inconscientemente à terrível fantasia de ser um menino castrado” (MCdougal, p.5). A solução desse problema está no momento que a criança começar a distinguir fantasia de realidade.
Segundo os estudos psicanalíticos, após a superação das três fases, a criança entra em um período de latência com foco em brincadeiras, escola, etc. na adolescência, quando o interesse pelo sexo volta, os conflitos vividos na infância são reeditados. Assim, teremos uma reedição de roteiros vividos na infância. O adolescente experimentará o mundo sexual com as impressões da infância. Sua identidade sexual e estruturação da personalidade necessitarão de buscar o suporte emocional dado na infância. Por isso mesmo, não podemos ignorar as experiências e manifestações de sexualidade na infância. Na verdade, o adulto será uma reedição madura de sua infância. A forma como lidamos com a nossa sexualidade, emoções e relacionamentos sociais tem no “berço” de nossa vida toda a sua estruturação.
Quando falamos em sexualidade na infância, faz-se necessário enforcarmos um pouco mais o complexo de Édipo. “Cada recém-chegado ao mundo está imbuído do dever de consumar o complexo de Édipo; quem não consegue está fadado à neurose. Na raiz de todo sintoma, encontramos impressões traumáticas que têm origem na vida sexual infantil” (Freud). Vê-se a grande importância da vida sexual na infância. Comecemos a discussão: Édipo é uma neurose? O eu da criança não dispõe de meios para conter a escalada impetuosa de seus desejos. Esse esforço do eu para conter e assimilar o arrebatamento do desejo traduz-se na criancinha por sentimentos, palavras e comportamentos contraditórios em relação aos pais. Essa atitude ambivalente, até mesmo incoerente da criança, vai instalar-se duradoramente na personalidade do sujeito como um modelo de todas as atitudes que ele adotará adulto, diante daqueles que despertarem nele o desejo de possuir o outro, ser possuído por ele ou destruí-lo. Eis, então, por que podemos dizer que nossos conflitos mais cotidianos e sempre inevitáveis com quem nos cerca não passam dos prolongamentos naturais, quase reflexos, de nossa neurose infantil conhecida como complexo de Édipo. Isto quer dizer que guardamos em nossa mente conflitos advindos do desejo inconsciente com os genitores (o menino com a mãe e menina com o pai) que são incestuosos. Isto posto, torna-nos claro que a vida sexual na maturidade está diretamente relacionada à capacidade de a criança ter ou não superado o complexo de Édipo. Ele é a primeira neurose do homem e deve ser visto com sendo um recalcamento contra a loucura. Neurose pesada, mas que age como uma defesa para afastar a loucura pulsional que ameaça a criança que certamente não tem nenhuma clareza do que está acontecendo.
Em sua obra Édipo – o complexo do qual nenhuma criança escapa, Nasio distingue dois tipos do retorno neurótico do Édipo na idade adulta: a neurose ordinária e a neurose mórbida. Aquela consiste no conflito com criaturas que amamos intimamente porque continuamos a desejá-las com ardor. É resultado da dessexualização insuficiente dos pais edipianos. As fantasias infantis de prazer mal recalcadas provocaram a neurose mórbida e assim patológica que se manifesta por sintomas recorrentes que encerram o sujeito em uma solidão narcísica e doentia. Esse sofrimento fóbico, obsessivo ou histérico é provocado por um fator mais grave que o recalcamento mais grave: trata-se dos traumas singulares advindos em pleno complexo de Édipo, como, por exemplo, o de abandono real ou imaginário que provoca imensa aflição na criança. Essa resultará na fobia do adulto. Maus tratos também são traumas que causam conflitos quando na adolescência e na vida adulta. Humilhação ou mesmo experiências de excessivos contatos corporais com adultos que podem levar à histeria na fase adulta. Assim, surge o “terror da castração”, o Édipo traumático. Dessa forma, a psicanálise entende serem as neuroses patogênicas, o retorno, na idade adulta, da angústia de contração traumatizada, vivida durante a infância. Por isso, o analista, diante de um paciente fóbico, deve investigar sua infância para começar a construir o quadro psicológico em que ele se encontra e as razões do sofrimento.
Conclusão
A reflexão aqui nos conduz ao seguinte entendimento: o adulto é em sua vida a reedição do que viveu em sua infância. A forma como se lida com as fases da sexualidade infantil é fundamental para a plena realização do adulto. Traumas mal resolvidos ou desejos recalcados na infância são responsáveis pelo comprometimento psíquico, a partir da adolescência, quando o sujeito deixa o período de “latência das emoções vividas” na infância. Nota-se, claro, que o entendimento de muitas neuroses na fase adulta tem respostas na infância.
Em suma, o que gera a doença psíquica não é tanto viver uma experiência intensa com o outro diferente, mas vivê-la com o outro semelhante. A neurose do adulto é sempre uma patologia do mesmo, uma doença do Narcisismo. Precisamos reconhecer que a sexualidade na infância determina o caminho da felicidade do ser humano.
Bibliografia
MANNOMI, Maud – A primeira entrevista em psicanálise. 2ª edição. Ed. Elsevier. RJ, 2004.
MACDOUGAL, J. Teatros do Corpo – O psicossoma em psicanálise. E. Martins Fontes. SP, 2000.
FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Ed. Imago, RJ. 1997.
NASIO, J. D. Édipo – o complexo do qual nenhuma criança escapa. Ed. Zahar, RJ. 2007.
Prof. José Romero Nobre de Carvalho é Diretor Geral do SEB COC Maceió. Pai de três filhos, é educador com 30 anos de experiência, sendo 12 em gestão educacional. É Mestre em Educação, Pós Graduado em História, MBA em Administração e Marketing. Membro da Associação Brasileira de Psicopedagogia e da Associação Brasileira de Dislexia. Psicanalista em formação, tem artigos publicados em revistas especializadas em educação. É autor de material didático do Sistema COC e também de livro de literatura infantil. Para ler outros ensaios do autor, acesse http://jromeronc.blogspot.com.br/