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Guia para Gestores de Escolas

Os Rostos Anônimos hoje têm nomes: Yasmin, Benjamin, Roberto…

Nos dias de hoje, em que todos correm contra o tempo, eu paro no tempo e recordo uma das minhas melhores experiências, que descreverei brevemente nos parágrafos abaixo. Porém, antes, quero lembrar o que vejo no nosso mundo contemporâneo. Pessoas, correndo na ânsia de cumprir seus compromissos agendados, sem tempo para o essencial: as relações humanas, que acontecem no verdadeiro encontro. A cada dia que passa, recebo em meu consultório jovens que reclamam de uma (tal) falta de sentido perante a vida. Uma jovem (M.17anos) me chamou atenção: – Gostaria de ser professora e meus próprios professores, falam que estou louca. Recebo adulto, que reclama não ter tempo para seus filhos e amigos, já que tem que correr atrás do dinheiro. Nessa direção, escolas apresentam alto índice de crianças e jovens, com dificuldade de aprendizagem e famílias “ausentes” no processo ensino-aprendizagem. Eis um fracasso real a nossa era contemporânea. Não temos tempo, corremos atrás de algo que pode comprar nossa falta de sentido e subtraímos possíveis sonhos. Uma “crise consentida”. Palavras que provocam sentido, basta querer ou poder escutá-las.

 

Dito isso, compartilharei de forma breve, uma experiência que tive. No mês de Janeiro deste ano (2014), entendi que a superfície não me cabe mais, escolha minha. Cansei de ser surda e cega. Viver não pode ser apenas um plano de metas para tantos futuros que estão por vir. Como uma jovem pode confiar em um adulto que lhe arranca seu sonho? Talvez, revendo e revistando suas próprias experiências de uma formação educacional que deforma nossos sonhos.

 

Partirei do seguinte ponto: Por que Nelson Mandela exerce tanto fascínio? Não imagino tal líder gritando com uma criança ou desacreditando um jovem. Até porque paramos para escutar Nelson Mandela, porque ele ainda tinha algo a nos falar. E nós temos algo a falar as novas gerações?

 

No mês de dezembro, quando soube que meu visto havia sido aprovado, inicie minha viagem “interior”, pela província de Namibe, lugar este que embarcaria no dia 12 de janeiro de 2014, a convite do educador Serrano Freire. Nessa província eu encontraria com pessoas que perderam seus entes queridos e seus “bens” durante a longa guerra civil. Uau! O que eu buscaria na África? Além de pesquisas on-line fiz um passeio pela autobiografia de Nelson Mandela “Um longo caminho para a liberdade” do jornalista Ricardo Stengel e comecei a preparar o encontro que eu teria com 1.100 educadores, durante três dias. Meu tema seria: “Conflito de gerações: tecendo pontos e desatando nós”.

Vale ressaltar, que desde aquela viagem, o mistério da vida mudou e quem dirá o sentido de educar. Entendi para além das teorias, o que, alguns chamam de inteligência emocional. Foi naquela província de Angola, em Namibe, segundo maior deserto do mundo, que eu me dei conta do que eu sentia e o que eu faria com tais sentimentos e penso que isso é o que muitos chamam de inteligência emocional, tão divulgada e acolhida na educação. Eu sabia por que eu estava ali, reconhecia meus sentimentos e teria de aprender adequá-los em uma realidade tão diferente da minha, sem perder meu foco no que fui fazer ali.

 

Em Namibe, escutei diversas pessoas, que por algum motivo, tinham tudo para desistir da vida, das suas escolhas e principalmente da educação, mas não foi isso que percebi, elas não desistiam, e nos levavam orgulhosamente para conhecer ex-campos de guerras, onde boa parte de seus ascendentes haviam sumido. Mas eles estavam vivos e tinham que seguir firmes o que as gerações anteriores haviam conquistado para eles.

 

Percebi ali, o sentido da mobilização que tanto me fala meu amigo educador Bernard Charlot, algo que acontece de dentro para fora, desejo que não cessa. Meus amigos angolanos tinham uma causa por que lutar e esta causa era e é a Educação, lutariam pelas suas raízes, pelas suas histórias, mesmo que muitas delas tivessem sido interrompidas antes do “término”. O que eu mais escutava deles era: “Aqui está nossa terra, campo sagrado”. E minha aprendizagem começou.

 

Toda vez que uma pessoa mais velha se sentava em nossa mesa, os mais jovens o escutavam, como quem escuta sua mais bela melodia e a única voz que conduzia a conversa, era a voz do mais velho, entre histórias e lágrimas, íamos tendo a oportunidade de escutar as mais tristes barbáries de uma guerra civil, jamais imaginada por nós, e também a possibilidade de superação humana frente a tantas perdas.

 

Os ensinamentos se deram dia após dia, em alguns momentos eu me perguntava: O que vim ensinar aqui?

Já no segundo dia naquele “paraíso” perdido, seria minha conferência e confesso que nunca me senti tão insegura com meu discurso. O cenário era um grande teatro, com todos educadores uniformizados com camisas vermelhas e amarelas, além dos bonés e o sorriso estampado naqueles rostos até então anônimos. Subi naquele palco, tremendo e comecei a falar, tecer palavras em frases e enredos. Ao final, fui aplaudida e a única coisa que me lembro de ter falado foi: “Eu prometo que me esforçarei para ser uma educadora melhor, que não esquecerei jamais minha causa”. Falar é uma arte de ser acolhida e naquele dia não segui meu protocolo, segui meu coração e confesso: Acho que dei minha uma boa conferência.

 

Ao sair do auditório, conversei com vários nativos, mas o que Yasmin me falou ressoa até hoje: – “Hoje somos livres, mas ainda não sabemos voar, mas voaremos, um dia… como Nelson Mandela nos ensinou”.

Não me lembro de ter me emocionado tanto, com frases, que eu já havia visto em filmes e lido em livros. Que sensação boa eu sentia. Eu só me lembrava do Brasil, homens e mulheres correndo atrás de cumprir suas agendas. Segui, naquele tempo com tempo para o Hotel, quando escutei alguém me chamar. Era o educador Roberto, um jovem negro de 26 anos: – Professora, olha aqui, estou engraxando meus sapatos, para o encontro da tarde, a senhora e eu merecemos. O que pensar? Não pensei, apenas senti.

 

E dia após dia, eu fui entendendo tudo aquilo que não sou e gostaria de ser.

 

Dia após dia, me pergunto: Por que corremos tanto?

 

E hoje, o que sei é que aqueles rostos, antes anônimos, têm nome.

jane*Jane Patricia Haddad é pedagoga, com especialização em Psicopedagogia, Docência do Ensino Superior e Psicanálise. Atuou por mais de 20 anos em escolas como professora, coordenadora pedagógica e diretora, é consultora institucional e conferencista. Autora dos livros: “Educação e Psicanálise: Vazio existencial” e “O Que Quer a Escola: Novos Olhares resultam em Outras Práticas”, ambos publicados pela editora Wak, do Rio de Janeiro. Atualmente cursa o Mestrado em Educação na Universidade Tuiuti no Paraná , onde seu tema de pesquisa é a Indisciplina Escolar.

Mais informações: [email protected]

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