Conversa com o Gestor — Colégio São Domingos
A experiência da aprendizagem como construção coletiva
Modelo de gestão participativa, escola comemora 50 anos neste mês propondo-se a mapear os saberes dos pais e envolvê-los cada vez mais em uma proposta de ensino que valoriza a experiência concreta dos alunos e busca os resultados do desempenho apenas como conseqüência e não razão própria da aprendizagem.
Criado em 1960 por pessoas ligadas à Paróquia de São Domingos, em Perdizes, região Oeste de São Paulo, posteriormente laicizado e hoje administrado por um Conselho de Gestão, o Colégio São Domingos está mapeamento os saberes dos pais de seus 640 alunos. A escola pretende integrá-los ainda mais aos projetos desenvolvidos com os estudantes, a exemplo do que fez recentemente com o 1º ano do Ensino Médio, quando três pais os auxiliaram em uma auditoria ambiental da instituição, levantando quanto se gasta com água e papel, as possibilidades de economia e os recursos disponíveis para tanto. “A partir de uma situação concreta, os alunos recorreram ao conhecimento de química, física e biologia, que de uma forma convencional seriam tomados sem contexto algum”, observa o diretor Sílvio Barini Pinto, presidente do Conselho.
Uma proposta de ensino integrada ao meio e à experiência concreta, com projetos interdisciplinares e articulação das diferentes linguagens e formas de expressão, compõe o caminho da aprendizagem no Colégio São Domingos. Assim, não causou estranheza aos seus educadores nem aos alunos quando o Ministério da Educação mudou o formato do ENEM em 2009, introduzindo a perspectiva interdisciplinar e prática aos enunciados das suas provas. “As mudanças do Exame Nacional vieram de encontro à proposta que já vinha sendo trabalhada pelo Colégio”, comenta Sílvio.
Um dos principais eixos adotados, o desenvolvimento de projetos toma forma como trabalho coletivo e interdisciplinar e perpassa as atividades nas mais diferentes séries escolares. Um bom exemplo desta perspectiva é dado pela obra “O livro da Maria-fedida”, lançado no início do ano pela escola e que surgiu de uma inquietação no retorno das férias escolares dos 21 alunos do 1º ano. Os pequenos perceberam que havia ovos de um inseto junto à porta da sala de aula e, orientados pela professora, passaram a investigar a sua origem, a socializar os conhecimentos e a produzir em torno dos achados, dando origem a um livro ricamente ilustrado e a textos informativos.
Também no Fundamental I, os alunos estudam a cidade de São Paulo (Permanências e Mudanças, no 3º ano), o meio ambiente (A Terra em Perigo, no 4º ano) e a formação étnica, social e cultural do País (Imigração, 5º ano). A partir do 9º ano, pratica-se a chamada Pedagogia do Projeto, com atividades no horário invertido. Segundo o coordenador da série e do Ensino Médio, Ricardo Francisco, os adolescentes desenvolvem alguns dos temas oferecidos pela escola, dentro “de um cardápio” que envolve atualidades, ciências, sociedade etc.. Outro projeto está em curso junto ao Ensino Médio, afirma, por sua vez, o diretor Sílvio. Será criada uma oficina de vídeo, com a colaboração de alguns pais. “Com o mapeamento dos seus saberes, os pais poderão atuar com a escola fortalecidos naquilo que eles têm, diferente do que acontece no ambiente competitivo, em que se olha inicialmente o que as pessoas não têm”, observa o diretor.
O propósito é que o ensino esteja sempre integrado ao meio, procurando, nesta perspectiva, combater certo “comportamento blasé da juventude, que se mostra bastante despregado (desinteressado) da realidade e de um projeto de vida”. O problema é comum às escolas, comenta o diretor, lembrando que ao assumir os trabalhos no São Domingos, “constatávamos, do ponto de vista de sua expressão e comportamento, que havia um adolescente ocioso e rebelde”. O caminho escolhido para lidar com a situação foi o diálogo e o entendimento, diz.
DIÁLOGO E ABORDAGEM CONTEXTUALIZADA
Graduado em Pedagogia e História, ex-consultor do MEC e exgestor pedagógico em escolas privadas tradicionais de São Paulo, Sílvio Barini chegou ao São Domingos em 2007. Em lugar de trabalhar de maneira localizada os problemas disciplinares, Sílvio abriu a discussão e chamou os pais. “Precisávamos entender o papel da juventude na sociedade contemporânea, olhando não apenas para o comportamento do jovem, mas para o contexto, o qual apontou para o fenômeno da ‘adultescência’, de adultos vivendo uma adolescência tardia.” De acordo com Sílvio, isso cria muita confusão entre os próprios adolescentes, “pois essa fase, que deveria ser temporária, acaba eternizada, tirando deles as referências para o amadurecimento”. Do ponto de vista prático, o diagnóstico foi lançado à comunidade por meio de artigos publicados no site da escola e encaminhados via email. O Colégio promoveu ainda um encontro com a psicanalista Maria Rita Kehl e mais recentemente com a cineasta Laís Bodanzky e o roteirista Luiz Bolognesi, que lançaram neste ano o filme “As melhores coisas do mundo”, obra obrigatória para pais e adolescentes.
“Ao lidar com os comportamentos inadequados dos adolescentes, tínhamos que olhar para nós mesmos. Ou seja, compreender o fenômeno de forma complexa para encontrar uma solução sistêmica e não simplesmente impor obediência às regras. Chamamos a atenção dos adultos para entender como poderíamos mudar a atitude”, diz. A questão é começar a dar novas referências aos estudantes, estimulando seu compromisso com a construção do próprio futuro. Pois, conforme destaca o diretor, “não interessa à escola um desempenho que atenda às metas de aprendizagem sob um sentido utilitário, mas que os resultados reflitam a ponta de algo maior, que venha do interesse do aluno”.
DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E REPRESENTATIVA
Não é uma tarefa fácil, “é preciso envolver a comunidade com o projeto coletivo” e, sobretudo, “educar a demanda”. Ao mesmo tempo em que os pais ainda demonstram “grande apego à tradição, o que acaba pautando as escolhas de muitas escolas, há de outro lado a consciência entre eles que deve haver mudanças, uma bipolaridade”, aponta, problema agravado pela ansiedade em torno dos indicadores de desempenho. “A escola tem que se reinventar não apenas na gestão pedagógica e do administrativo, mas do conhecimento mesmo. Ele está hoje despregado da realidade. Devem-se planejar estratégias para que essa revisão aconteça, para não colocar em risco as instituições”, defende Sílvio.
No São Domingos, há disponibilidade para a comunicação e o envolvimento de todos os atores (educadores, funcionários, familiares e alunos) em cada projeto e atividade. No aspecto formal, o Conselho de Gestão garante a representatividade desses segmentos nas decisões macro na área pedagógica e nos investimentos. Mas isso não libera os demais da participação. Além da contribuição aos projetos escolares, pais e alunos comparecem juntos às reuniões pedagógicas, em que três a quatro professores atendem individualmente aos familiares. São convidados ainda a participar da organização das festas e eventos coletivos, juntamente com os funcionários e os educadores. Ou a auxiliarem no diagnóstico de eventuais conflitos que surjam em salas de aulas.
Cabe à direção fazer a gestão política entre as duas instâncias democráticas, tanto a participativa quanto a representativa, diz Sílvio Barini. “Nesse sentido, preciso me comunicar com a comunidade a respeito das questões que estão sendo debatidas, não posso esperar que apenas os representantes façam isso, o que traria risco de concentração de poder e lentidão”, comenta. Alguns mecanismos facilitam a interlocução, como a presença do professor tutor desde o 6º ano até o Ensino Médio, lidando mais diretamente com os alunos, orientando-os nos estudos e nos problemas em sala de aula, entre outros.
Sílvio não deixa também de conversar diariamente com os professores, nem com os grupos de estudantes que eventualmente encontra no pátio ou que lhes solicitam reuniões para apresentar queixas ou demandas. “Há uma presença viva da liderança intelectual e afetiva do diretor junto aos alunos, fornecendo o parâmetro de uma relação mais informal e cooperativa, sem que isso tire, no entanto, a autoridade no momento em que precisar fazer valer nossos princípios e normas de convivência.”
O Colégio São Domingos vive um momento autosustentável, revela Sílvio, o que significa uma boa notícia para a comunidade, já que em princípios dos anos 90, em dificuldades financeiras, quase fechou as portas. Sua mantenedora é a Associação Cultural São Paulo, vinculada, por sua vez, à Fundação São Paulo, a mesma que responde pela PUC. Com 47 professores e 640 alunos da Educação Infantil ao Ensino Médio, a escola se manteve graças à mobilização de alguns pais e hoje, aos 50 anos, comemora a impressão de sua marca diferenciada de gestão e de ensino na história educacional de São Paulo.
Por Rosali Figueiredo
Saiba+
Sílvio Barini Pinto
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