Gestão Escolar — Revendo os processos de avaliação da aprendizagem: Uma análise de Vinícius de Bragança Müller e Oliveira e de Carolina da Costa (Insper/SP)
Matéria publicada na edição 87 | Abril 2013 – ver na edição online
Professor do Insper (nível superior) e coordenador do 2º ano do Ensino Médio da Escola Lourenço Castanho, localizada na Vila Olímpia, zona Sul de São Paulo, Vinícius de Bragança Müller e Oliveira avalia de que forma o conteúdo deve ser trabalhado pelos gestores e educadores em direção ao desenvolvimento das competências e habilidades dos alunos. E na página ao lado, Carolina da Costa, diretora acadêmica da graduação do Insper, apresenta um passo a passo de como introduzir essa abordagem nos processos de gestão das escolas.
Tempos atrás, se alguém perguntasse sobre os conteúdos de uma prova, a resposta era simples. No meu caso, professor de História, seria algo como: Revolução Francesa. E, logo após a divulgação do conteúdo, pais e professores particulares prontificavam-se a ‘tomar o ponto’ do aluno que passou o dia anterior repetindo que “o Rei guilhotinado durante a Revolução era Luiz XVI”. Tinham a certeza de que a memorização preparava para a prova do dia seguinte. E assim replicava-se o processo em todos os componentes curriculares: Ciências, Matemática, Língua Portuguesa etc.
A correção e a atribuição da nota seguia o modelo: tirou 5,0 porque não lembrou o nome da rainha; tirou 7,5 porque lembrou o nome da Rainha, mas não a data em que morreu; tirou 10,0 porque lembrou todas as datas da Revolução e citou uma curiosidade do período. Já em outra, tirou 5,0 porque não lembrou a fórmula da velocidade média; tirou 7,5 pois lembrou a fórmula, mas não indicou a velocidade do carro; tirou 10,0 pois apontou que dois carros se encontraram no km 29 da Rodovia D. Pedro.
Contudo, há cerca de dez anos, esse modelo foi impiedosamente atacado. Novos parâmetros curriculares e exames, como o Enem, apresentaram abordagens vinculadas às competências, habilidades e interdisciplinaridade. Então, os planejamentos, as provas e as notas começaram a ser repensadas. Começamos a falar que o aluno deveria desenvolver a capacidade de identificar um problema exposto em linguagens múltiplas e propor uma intervenção que resolvesse tal problema. Mas as aulas continuaram a ser “Revolução Francesa” ou “Multiplicação de Matrizes”.
Ou seja, explicitamos no planejamento o objetivo de aprendizado, mas não como determinado conteúdo poderia nos servir para desenvolver a capacidade de “identificar problemas apresentados em linguagens diferentes”. Grosso modo, a prova continuou a ‘cobrar’ o conteúdo, assim como a correção a atribuir nota seguindo os mesmos critérios de antes.
MUDANDO O FOCO SOBRE O CONTEÚDO
É urgente que nossos planejamentos não mais sejam organizados de modo a apresentar o conteúdo, mas sim de forma que o conteúdo ajude a desenvolver uma competência; que nossas aulas apresentem os conteúdos de modo que o aluno possa, de fato, identificar um problema que apresentamos em linguagens diferentes; e que essas provas não permitam que o aluno que ‘decorou’ quem descobriu o Brasil seja bem avaliado; e, na última fronteira, que a atribuição de notas não seja mais justificada pela falta (ou inclusão) do nome da Rainha.
O aluno não vai mal em Matemática, e sim na transformação de um problema apresentado em linguagem verbal para a linguagem Matemática; não vai mal em História, e sim na capacidade de montar coerentemente trajetórias históricas; não vai mal em Química, mas em perceber simetrias entre momentos diferentes mediados por transformações nas condições naturais; não vai mal em Biologia, e sim na capacidade de identificar que características comuns podem nos ajudar a classificar grupos de seres vivos.
Explicitar tais intenções quando planejamos, preparamos e executamos uma aula, montamos e corrigimos uma prova é essencial. Nesse último caso, estabelecer critérios de correção coerentes com a proposta daquela questão é, na verdade, justificar uma nota porque a questão só poderia ser respondida corretamente se o aluno, além de perceber qual problema foi exposto no enunciado, identificasse nas alternativas (sim, é possível fazer isso em uma prova objetiva) qual era a argumentação que melhor explicava a origem daquele problema. Por isso foi mal na prova, e não porque não sabe Português, ou Química, ou Sociologia.
Por fim, espero que na próxima vez que me perguntarem por que um determinado aluno não apresentou resultado adequado em uma avaliação, a resposta não seja porque ele não sabe Matemática (ou qualquer outro componente) e, sim, porque ele não desenvolveu uma competência essencial à questão, por exemplo, a de usar o seu conhecimento de Matemática (ou qualquer outro componente) para propor uma possível intervenção na realidade. Os resultados certamente serão melhores.
COMO REORGANIZAR O PROCESSO DE AVALIAÇÃO
Em março de 2012, durante a realização do Fórum de Educadores do Insper, a diretora acadêmica de graduação do Instituto, Carolina da Costa, apresentou um estudo de caso sobre como se implantou no local um novo processo de avaliação da aprendizagem.
Nesta edição, a Revista Direcional Escolas reproduz, sob autorização da autora, alguns parâmetros extraídos de sua análise, que podem ser bem adaptados ao contexto da Educação Básica e foram sintetizados nas etapas abaixo:
Etapa 1: Em primeiro lugar, os métodos de avaliação devem se basear no papel que a mantenedora quer projetar (Missão/Visão), nos Objetivos de Aprendizagem e em Métricas coerentes com essas finalidades.
Etapa 2: Ao procurar responder, na sequência, às questões abaixo, o gestor poderá definir um roteiro de estratégias e ações tendo em vista a implantação de um sistema de avaliação da aprendizagem.
Construção das métricas – 8 questões a serem respondidas
1) A definição dos objetivos de aprendizagem e respectivas habilidades e conhecimentos derivam da visão/missão da escola?
2) Os objetivos de aprendizagem são mensuráveis e possuem instrumentos adequados para serem capturados?
3) Foi definido um patamar de desempenho para esses objetivos de aprendizagem? Como?
4) O currículo foi mapeado para se identificar “onde” localizar as avaliações (onde há expectativa de aprendizado demonstrado)?
5) O processo de avaliação é sistemático, robusto e contínuo?
6) Como o processo de avaliação é aprimorado?
7) Quais as pessoas (e respectivos papéis) estão envolvidas no processo de avaliação?
8) Como o sistema de informação chega ao aluno?
Etapa 3: O planejamento do gestor é feito sobre três fases distintas, bem demarcadas, como: desenho do sistema (com definição dos critérios de avaliação, do perfil necessário dos professores e posicionamento pedagógico); planejamento (revisão curricular e novo desenho das disciplinas); e processos e práticas (introdução desses novos recursos, com discussão entre os docentes e sua aplicação).
Etapa 4: Na conclusão do processo, o gestor deve observar se foram ou não criadas oportunidades para os estudantes demonstrarem conhecimentos adquiridos e habilidades e competências desenvolvidas; se os educadores foram bem orientados dentro dessa perspectiva; e se houve coerência e integração entre os meios disponibilizados e as finalidades previamente estabelecidas. Com os resultados em mãos, torna-se importante responder a três questões de forma a colher mais subsídios para aprimoramento e eventual reorientação do processo:
1ª) Qual a leitura dos resultados? Que mudanças são demandadas?
2ª) Como essas mudanças se relacionam com a visão/missão da escola? (isso é fundamental para que se estabeleçam as prioridades);
3º) É possível converter demandas em objetivos, definindo pessoas (papéis) que irão se comprometer com os resultados? (Entram aqui o desdobramento das ações, comprometimento e orientação para resultados)
Fonte: Carolina da Costa
Carolina da Costa é diretora Acadêmica da Graduação do Insper e coordenou o Núcleo de Desenvolvimento do Ensino e Aprendizagem (DEA) da instituição. Entre outros títulos acadêmicos, é Mestre em Gestão de Operações pela EAESP-FGV/University of Texas at Austin.
Saiba+: [email protected]
Vinícius de Bragança Müller e Oliveira é doutorando em História Econômica pela USP, Mestre em Economia pela UNESP e bacharel em História pela PUC-SP. Docente de História Econômica do Insper, atua há 15 anos como coordenador e/ou professor na Educação Básica.
Saiba+: [email protected]