Tempos de mudança e a identidade da Escola
Por Adriana Hassin
Conta-nos Plutarco que, em certa ocasião, o navio de Teseu sofreu grandes avarias enquanto retornava à ilha de Creta. A cada dano sofrido, o herói coordenava reparos, substituía peças quebradas da embarcação, reciclava materiais em novas modelagens, readequando estruturas e engrenagens às necessidades e possibilidades. Conta-nos Plutarco que, ao chegar ao porto, por tantos reparos realizados, o navio de Teseu havia sido completamente modificado, sem restar, assim, uma única peça da nave original.
O evento gerou debates entre filósofos da época, ficando conhecido na mitologia como o paradoxo de Teseu: o navio atracado pelo herói era o mesmo que partira para Creta? As alterações feitas afetavam sua identidade, ou, apesar delas, a essência do navio permanecia inalterada?
O paradoxo de Teseu é um convite a refletirmos sobre os limites da identidade e da autenticidade frente às mudanças. No mundo atual, sujeito a mudanças rápidas e disruptivas, somos constantemente desafiados a ajustar e reparar nossa embarcação, buscando atualizar e fortalecer nossa identidade. E, no contexto das mudanças, o que muda, permanece ou se (nos) altera?
Nosso mundo é mais livre e fluido no presente, mas a leveza dessa conquista contrasta com a insegurança de um mundo que perdeu solidez… sabemos que o presente não conta mais com as premissas do passado e o futuro está em construção. Nessa incerteza, infâncias e juventudes são especialmente desafiadas a desenhar identidades frente a referenciais cada vez mais amplos, plásticos e dinâmicos. Enquanto antigos pilares como formação acadêmica, carreira, estabilidade ou patrimônio, já não exercem o mesmo apelo na contemporaneidade.
E as escolas, no mar das mudanças? Como as escolas podem renovar cascos e engrenagens? Quais ajustes devem fazer nas velas para que estudantes estejam prontos para navegar em águas tranquilas ou para enfrentar tempestades futuras?
Fato é que as escolas estão navegando por mares revoltos; diretores e coordenadores pedagógicos se esforçam em segurar o timão do navio, enquanto professores, nas salas de aula, mantêm velas içadas diante de condições difíceis, como ventos fortes, ondas altas, correntezas e cantos de sereias…
Vivemos tempos transformados e com necessidade de desenvolvimento de novas competências; transformados por tecnologias que convidam e convocam à revisão de currículos, metodologias e práticas docentes. Como causa e efeito dessas transformações, protagonismo e formação integral fizeram-se premissa e propósito formativos dos estudantes.
E não é de hoje que as escolas navegam entre correntes de transformação e tradição. Escolas vêm mudando, se atualizando e inovando, mas sem abandonar os mapas antigos e as bússolas em cujas indicações e precisões confiam. Sendo assim, as escolas estão em um período de transição, com o destino ainda distante no horizonte e as âncoras do ponto de partida sendo arrastadas consigo.
Vivemos na liminaridade do que foi para o que será, como em um rito de passagem em que o passado e presente coexistem em uma caótica harmonia. No contexto das escolas, hoje, há uma tentativa de estabelecer-se sobre paradigmas do passado, enquanto atualizam-se propósitos para formar cidadãos aptos às demandas modernas. Alteram-se as peças do barco, ainda sem saber se estamos comprometendo o sentido do barco.
Mas, se reconhecer a essência do barco fosse simples, o paradoxo da nave de Teseu não desafiaria a Filosofia há 2000 anos. Há que se mudar a escola sem perder a sua essência. Sem prejudicar seu futuro. Porque é na escola que se aprende o manejo do barco! Que se aprende sobre mares, marés, lunetas e constelações. É na escola que, ora capitão, ora marinheiro, o professor inspira e o estudante se faz.
Adriana Hassin
Gerente Executiva de Consultoria Pedagógica do SAS Educação. Professora. Mestre e Doutora em História. Diretora e gestora educacional por mais de 20 anos.