Sim Professora, mas como é que eu começo a alfabetizar?
Por Andréa Galvão Moretti
A alfabetização é um objeto de estudo e de investigação desde muito tempo. Infelizmente, nem todo o conhecimento produzido pela didática da língua, tem gerado um aprendizado efetivo da leitura e da escrita pelas crianças nos mais diversos cantos desse país. Basta ver os resultados das pesquisas que analisam a proficiência na leitura e na escrita a exemplo do SAEB, do PISA e os dados trazidos pelo INAF. Este último mostra que ¼ da população brasileira tem níveis sofríveis de compreensão da leitura e uma escrita rudimentar.
O que tomamos como mais grave, diz respeito ao fato das crianças avaliadas estarem dentro do sistema escolar, frequentando aulas. Nesse sentido nos perguntamos: como o ensino da língua materna vem sendo tratado no interior das escolas?
A partir da década de 1980, novos enfoques foram propostos em torno do aprendizado da leitura e da escrita, que deixa de ser visto apenas como uma aquisição das habilidades de “codificação e decodificação”. O aluno, além de saber ler e escrever, também deve saber se comunicar por meio da leitura e da escrita. Houve, na realidade, uma ampliação da definição do que seria saber ler e escrever.
No caminho da formação de professores, as políticas públicas, por meio da Lei de Diretrizes e Base (LDB), instituem a “universitarização” do ensino em todos os níveis, o que tem trazido muitos jovens professores para o mercado de trabalho. Nesse contexto, percebemos que há muitas tentativas do sistema educacional para atingir essa meta no ensino básico de qualidade. Porém, apesar disso, os indicadores do “Censo Escolar” de 2016 assinalam que hoje há quase 3 milhões de crianças e jovens fora das salas de aula. Entre aquelas que estão na escola, 21,7% estão repetindo a mesma série e apenas 51% concluirão o Ensino Fundamental, sem distorção idade/série.
O tema desse artigo surgiu a partir dessa problemática e por conta de questionamentos trazidos por alunas do curso de pedagogia e professores que lecionam nas redes de ensino, as quais ministramos formações: sim professora, mas por onde devemos começar a alfabetização se agora usamos mais cartilhas com os tradicionais métodos de alfabetização?
Podemos dizer que qualificamos bastante o Livro Didático a partir dos anos de 1993/1994. Desde então, são definidos critérios para avaliação dos livros didáticos, com a publicação “Definição de Critérios para Avaliação dos Livros Didáticos” MEC/FAE/UNESCO. Este marco também se inscreve em relação a mudanças importantes nas concepções de alfabetização que começam a tomar fôlego no nosso país. Não havia mais como “defender” um manual estruturado no ensino das primeiras letras à exemplo do que tínhamos até então. As antigas cartilhas com “aula 1”, “aula 2” etc, já não respondiam aos novos conceitos que cresciam no discurso pedagógico: letramento, alfabetizar letrando, processo de aquisição da língua escrita.
O desafio do professor passou a ser a tomada de decisão sobre o melhor caminho para garantir que todas as crianças aprendam a ler e escrever, sobretudo, quando falamos aos jovens professores. Eis uma questão que precisa ser pensada no sentido, não só da atuação na formação continuada, mas refletida também na formação inicial desses que se encontram nos cursos de formação de educadores de tantas faculdades do país e nos materiais didáticos que chegam as mãos dos docentes.
No início dos anos 2000, institui-se que ensino da leitura e da escrita não deveria mais se encontrar nos livros ou manuais de alfabetização, mas no saber do professor. O renomado especialista francês Maurice Tardif, por exemplo, ao situar a questão dos saberes na profissão docente, procura relacioná-los às diversas instâncias nas quais os professores estão inseridos. Para isso, destaca que o “saber dos professores é o saber próprio de cada um e está relacionado com sua pessoa e sua identidade com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas relações com os alunos em sala de aula e com outros atores escolares da escola”. Desta forma, Tardif nos revela como o saber dos professores transita constantemente entre o que os professores são e fazem, é um saber social, pois o mesmo é construído nas relações: entre os professores, entre os grupos sociais, com professor e alunos e nas construções sociais. É saber que deve ser compreendido na ação, um saber do e no trabalho.
Por isso, o saber docente é plural, carrega marcas da história de vida e carreira profissional. Logo, fica claro que o saber constitutivo do professor não é um saber único, mas sim construído nas suas diversas relações, ou seja, não pode se organizar apenas em uma perspectiva teórica.
Em recente palestra no Centro de Estudo de Educação e Linguagem (CEEL), a também pesquisadora educacional francesa, Anne-Marie Chartier, avalia que para que os professores iniciantes possam construir a “sua” experiência docente devem contar com um corpo escolar que auxilie na construção desses saberes, que seja orientado por bons materiais didáticos, além de compartilharem experiências com seus pares. Nesse sentido, é importante se perguntar: “há lugar nas escolas que propiciem tais trocas?”. Seria então fruto de conversas informais que ajudariam nessa formação de saberes? Seria o caso de reinventar a alfabetização?. Como fazê-lo? Como gerar menos angústia nesse percurso do jovem professor?.
A partir de nossas experiências como professoras de alfabetização e formadoras de professores, chamamos a a atenção para a necessidade do educador, jovem ou menos experiente, utilizar-se de bons materiais que auxiliem no desenvolvimento profissional e que ofereçam subsídios para o debate sobre a transformação educacional. A FTD Educação, por exemplo, conta com Guias de Recursos Didáticos, que são verdadeiros cursos de formação para o professor. Outra sugestão é a Coleção FAÇA, que contém orientações bem elaboradas, sugestões de ampliações ou extrapolação dos conteúdos, assim como sites e aplicativos que podem ajudar professores e alunos na construção do conhecimento, no planejamento de aulas, nos trabalhos em grupo etc. Conhecimento esse que é cada vez mais volátil e que precisa ser revisitado por todos que se ocupam da tarefa de educar.
Observamos que, dessa forma, temos um importante espaço para construir caminhos. As reflexões que fazemos é de trazer, cada vez mais, esse educador ao lugar da pesquisa, da busca do conhecimento e da experiência didática que se mostra extremamente instigante para que o desenvolvimento de habilidades cognitivas e socioemocionais ganhem voz, todos os dias, em sala de aula.
Andréa Galvão Moretti é pedagoga, possui mestrado em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (2005). Atualmente é Consultora Educacional da FTD Educação e Professora da Faculdade Frassinetti do Recife (FAFIRE). Já atuou como membro formador – CEEL- Centro de Estudos em Educação e Linguagem e formadora nas redes públicas e privadas de ensino, assumindo cargo de coordenação pedagógica do Alfabetizar com Sucesso entre 2008 e 2009. Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente nas áreas de Formação de Professores dos Anos Iniciais da Educação Básica e da Educação Infantil, Letramento, Alfabetização, Prática Pedagógica e Educação de Jovens e Adultos. Desenvolve atividade acadêmica nos cursos de Graduação em Pedagogia e Pós Graduação em Alfabetização e Letramento, Coordenação Pedagógica e Ludicidade.